A maior característica da Jurema Sagrada é o culto aos Mestres Juremeiros. É uma religião nordestina que se iniciou com o uso desta planta pelos indígenas da região Norte e Nordeste do Brasil, mas que atualmente possui influências as mais variadas, como pajelança, xamanismo indígena, religiões africanas, catolicismo, etc.
A jurema é uma espécie de planta do gênero da acácia, as acácias sempre foram consideradas plantas sagradas por diferentes povos e culturas de todo o mundo e os índios do nordeste brasileiro tinham na "Acácia jurema" (Jurema, Jerema, Calumbi) a sua árvore sagrada, a sua Acácia, ao redor da qual desenvolveu-se essa tradição hoje conhecida como "Jurema sagrada".
O culto da Jurema iniciou-se mais especificamente no Estado da Paraíba, em Pernambuco existe um município cujo nome é Jurema devido a grande quantidade destas árvores que ali se encontram. Todas as partes dessa árvore são aproveitadas: a raiz, a casca, as folhas e as sementes, utilizadas em banhos de limpeza, infusões, ungüentos, bebidas e para outros fins ritualísticos. Os devotos iniciados nos rituais do culto são chamados de “Juremeiros”. Foi na cidade de Alhandra, município a poucos quilômetros de João Pessoa, que esse culto, na forma do Catimbó alcançou fama. A Jurema já era cultuada na antiguidade por pelo menos dois grandes grupos indígenas, o dos tupis e o dos cariris também chamados de tapuias. Os tupis se dividiam em tabajaras e potiguares, que eram inimigos entre si. Na época da fundação da Paraíba, os tabajaras formavam um grupo de aproximadamente cinco mil índios. Eles ocupavam o litoral e fundaram as aldeias Alhandra e a de Taquara.
Então, a Jurema Sagrada é remanescente da tradição religiosa dos índios que habitavam o litoral da Paraiba, Rio Grande do Norte e no Sertão de Penambuco e dos seus pajés, grandes conhecedores dos mistérios do além, plantas e dos animais. Depois da chegada dos africanos ao Brasil, quando estes fugiam dos engenhos onde estavam escravizados, encontravam abrigo nas aldeias indígenas, e através desse contato, os africanos trocavam o que tinham de conhecimento religioso em comum com os índios. Por isso até hoje, os grandes mestres juremeiros conhecidos, são sempre mestiços com sangue índio e negro. Os africanos contribuíram com o seu conhecimento sobre o culto dos mortos egun e das divindades da natureza os orixás voduns e inkices. Os índios, estes contribuíram com o conhecimento de invocações dos espíritos de antigos pajés e dos trabalhos realizados com os encantados das matas e dos rios. Daí a jurema se compor de duas grandes linhas de trabalho: a linha dos mestres de jurema e a linha dos encantados.
Mestres Juremeiros
É preciso o êxtase para o mestre chegar, para ele vir trabalhar. E isso se faz não só através do canto, em que eu chamo meu mestre, eu canto para ele, mas também através da bebida. Eu preciso beber a Jurema”, explica Luiz Assunção, doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Luiz Assunção estuda a Jurema há 16 anos. Jurema é uma árvore nativa do agreste e da Caatinga Nordestina. Diz a lenda que essa árvore é sagrada, porque nela a Virgem Maria teria escondido o menino Jesus durante a fuga da sagrada família para o Egito.
A bebida é feita com a casca da Jurema e mais vinho ou pinga. Os outros ingredientes são um segredo que os mais velhos guardam com zelo. “Ela queima um pouquinho. Pouquinho, mas queima. Dentro dessa garrafa tem jurema. O senhor vai me desculpar, porque eu não posso revelar o segredo”, diz Mestre Geraldo. Para explicar, ele canta: "O trabalho da Jurema, todo mundo quer saber. Como o segredo da abelha, trabalha sem, ninguém ver".
“É uma ciência, uma ciência grande, muito grande”, garante Mestre Carol. Juremeiro há mais de 50 anos, ele apresenta seu mestre: Preto José Pilintra. E descreve o que sente quando essa entidade mágica se aproxima. “Eu sinto, eu vejo quando ele chega”, explica. “É a cidade da Jurema, que traz toda a força para os discípulos mestres, que vêm ao redor. A água é um elemento importante, porque é ela quem traz a força da natureza”, esclarece o mestre.
Segundo observação do escritor e professor de São Paulo Reginaldo Prandi, especialista em religiões afro-brasileiras: “Quando os mestres se incorporam, eles têm sempre um objetivo básico, que é atender as pessoas e aplicar certas receitas, que são receitas mágicas, de uma medicina muito antiga, religiosa”, comenta o especialista.
Mestre Melque trabalha com a chamada jurema de chão. O chocalho, ou maracá, e o canto em círculo lembram a origem indígena deste rito. Mas evocam também a época em que os praticantes desta religião eram perseguidos pela polícia. “O mundo religioso afro-brasileiro sempre foi perseguido, sempre foi visto como uma prática religiosa inferior, como uma prática relacionada ao mal, à feitiçaria”, lembra Luiz Assunção. Para se esconder da polícia, o rito era realizado com todos abaixados, escondidos na mata. Não se podia tocar tambores; apenas os maracás.
“Muitos têm a Jurema como um bicho, mas a jurema não é nada disso. Ela é paz, luz, amor e caridade”, resume Mestre Geraldo.
“Esse mundo religioso precisa ser respeitado”, defende Luiz Assunção.
No ano de 1938, Curt Nimendaju obtém, entre os índios de Santa Rosa - BA, descendentes de Tupiniquins e Kamuru-Kariri um interessante depoimento; uma "viagem" ao mundo espiritual conseguida por aqueles que bebem da sagrada bebida feita com partes da Mimosa Nigra Hub.
"A Jurema mostra o mundo inteiro a quem bebe: Vê-se o céu aberto, cujo fundo é inteiramente vermelho; vê-se a morada luminosa de Deus; vê-se o campo de flores onde habitam as almas dos índios mortos, separada das almas dos outros. Ao fundo vê-se uma serra azul; vêem-se as aves do campo de flores: beija-flores, sofrês e sabiás. À sua entrada estão os rochedos que se entrechocam esmagando as almas dos maus quando estas querem passar entre eles. Vê-se como o sol passa por debaixo da terra. Vê-se também a ave do trovão, que é desta altura (um metro). Seus olhos são como as da arara, suas penas são vermelhas e no alto da sua cabeça ela traz um enorme penacho. Abrindo e fechando este penacho, ela produz o raio e, quando corre para lá e para cá, o trovão." (Numendaju, 1986: 53)
Contudo, este culto se difundiu nos Sertões e Agrestes nordestino em direção às grandes cidades do litoral, onde elementos das outras matrizes étnicas entraram em cena. Desse modo, o símbolo da árvore que liga o mundo terreno ao além e, embora amargo, dá sapiência aos que dela se alimentam, ganha novos significados, surgindo um mito com traços cristãos.
Neste sentido, a Jurema surge como a árvore que escondeu a sagrada família, dos soldados de Herodes, durante a fuga para o Egito, ganhando desde então suas propriedades mágico-religiosas (Cf. Cascudo, 1931 ; Bastide, 1945).
A jurema é um pau sagrado
Onde Jesus descansou
Que dá força e "ciência"
Ao bom mestre curador.
Na década de 20 os jornais já anunciavam a presença "dos baixos e barulhentos espíritos" do primitivo "Catimbau" , entre os ditos civilizados das pacatas cidades. A partir desta época encontramos referências sobre a Jurema em autores como Cascudo (1931), Fernandes (1940), Bastide (1945) e Vandezande (1975) .
A Jurema que passaremos a apresentar, é a encontrada na cidade do Recife, em terreiros localizados em sua grande maioria nos bairros periféricos da cidade. Dimensionado os limites espaço-temporais do presente trabalho, um primeiro ponto a ser considerado é que o culto à Jurema não se dá de forma
padronizada entre os diversos grupos existentes. Como dizem os juremeiros:
"Jurema? Cada uma tem a sua, a minha eu cultuo como aprendi com fulano... (sic.)" "A Jurema de sicrano ..., ele dá bode ao mestre dele, na minha eu não cultuo com sangue...(sic.)". Contudo, em meio às diferenças, existe um complexo de ritos e crenças que os juremeiros compartilham e que permite distinguir o culto à Jurema de outras formas concorrentes de religiosidade popular, em especial do Xangô e da Umbanda como praticadas no Recife. O que chamaremos aqui, complexo mágico-religioso da Jurema, envolve como padrão a ingestão da bebida feita com partes da Jurema, o uso ritual do tabaco, o transe de possessão por seres encantados, além da crença em um mundo espiritual onde as entidades residem.
Passaremos então a buscar, dentre os rituais observados em várias casas religiosas do Recife, os elementos que possibilitem melhor caracterizar o complexo mágico-religioso do Culto à Jurema. Enfocaremos, então, o mundo espiritual e o panteão de encantados, os artefatos religiosos, os rituais,
enfim, a visão de mundo existente entre os juremeiros.
O Mundo Espiritual e Sua Representação no Mundo dos Vivos
"Abrindo a Mesa, com Luz e Amor
Abrindo as Portas do Juremá
Chamando os Guias
Para trabalhar."
Quem já assistiu uma reunião de Jurema, deve lembrar dessa toada, cantada no início das sessões, para convidar os "Senhores Mestres do outro-mundo" a participarem do mundo dos vivos. Para os juremeiros paraibanos e pernambucanos este mundo espiritual tem o nome de Juremá e é composto por reinados, cidades e aldeias. Nestes Reinos e Cidades residem os encantados: os Mestres e os Caboclos. Nos diz Cascudo (1931: 43):
"Cada aldeia tem três 'mestres'. Doze aldeias fazem um Reino com 36 'mestres'. No reino há cidades, serras, florestas, rios. Quanto são os Reinos? Sete, segundo uns. Vajucá, Tigre, Candindé, Urubá, Juremal, Fundo do Mar, e Josafá. Ou cinco, ensinam outros. Vajucá, Juremal, Tanema, Urubá e Josafá".
A Jurema é a cidade-estado deste mundo espiritual. Em Alhandra, localidade do litoral paraibano, considerada por muitos o berço de uma grande linhagem de catimbozeiros e mestres do além, como Manoel Inácio e Maria do Acais, que como nos conta Vandezande (1975) lá formaram escola quando em vida; as árvores de Jurema cultivadas pelos catimbozeiros são consideradas as próprias cidades espirituais.
"A 'cidade' mais antiga de jurema, cujo pé de jurema teria sido plantado pelo 'mestre Inácio', regente dos índios, é o arbusto velho e enorme que se encontra na atual propriedade 'Estiva'... O arbusto é sempre venerado, e muitas vezes há velas acesas ao anoitecer. ... O lugar é chamado pelos entendidos de 'cidade do Major do Dias'. ... Mestre Inácio e o mestre Major do Dias foram proprietários de Estiva. O atual proprietário, o mestre Adão, um dia tornar-se-á também 'mestre' do além depois que o seu espírito for lavado." (Vandezande, 1975: 129)
Entre os recifences, talvez pela falta de espaço nos locais de culto, troncos da planta são assentados em recipientes de barro e simbolizam as cidades dos principais mestres das casas. Estes troncos, juntamente com as princesas e príncipes, com imagens de santos católicos e de espíritos afro-ameríndios, maracas e cachimbos, constituirão as Mesas de Jurema.
Chama-se Mesa o altar junto ao qual são consultados os espíritos e onde são oferecidas as obrigações que a eles se deva. As princesas são vasilhas redondas de vidro ou de louça dentro das quais são preparadas a bebida sagrada e, em ocasiões especiais, onde são oferecidos alimentos ou bebidas aos encantados. Os príncipes são taças ou copos, que normalmente estão cheios com água e eventualmente com alguma bebida do agrado da entidade. É comum vê-se nas mesas mais elaboradas uma complexa arrumação onde entra na composição príncipes, princesas e trocos.
O príncipe ou a princesa é a menor unidade de simbolização de uma entidade espiritual. Todo Juremeiro deve ter, ao menos um destes dedicado ao seu mestre e assentado em sua mesa. Contudo, de acordo com a disponibilidade financeira, pode-se constituir todo um "estado espiritual" - as cidades dominadas por uma determinada entidade. Confecciona-se um estado através do uso de uma princesa tendo ao seu centro um príncipe e em seu derredor mais seis deles. Para complementar este artefato, entraria o tronco da árvore sagrada, que pode ficar no centro da mesa ou em baixo dela.
Para alguns entendidos no culto, é no troco - junto com outros apetrechos que a entidade que o domina solicita que seja nele depositado -, onde estaria o verdadeiro segredo de uma "Jurema plantada". Portanto, eles argumentam que este deveria ficar longe dos olhos dos curiosos, normalmente em baixo da mesa. Como adverte uma das toadas: "A Ciência da Jurema / Todos querem saber / Mas é feito casa de abelha / Trabalha que ninguém vê." Em cima do tronco, sobre a mesa, ficaria, a vista de todos, o jogo de príncipes e princesas.
Os Habitantes do Juremá
Duas categorias de entidades espirituais tem seus assentamentos nas mesas de Jurema, os Caboclos e os Mestres.
Os Caboclos e Índios
"Fui pra mata, fui caçar
Atirei no que não vi
Acertei passo sagrado,
Era um Pitiguarí.
Mas, Tupã me perdoou
Hoje eu não caço mais
Me chamo Flecha Dourada,
Protetor dos animais."
(Jurema de mesa)
Os Caboclos são identificados como entidades indígenas que trabalham principalmente com a cura através do conhecimento das ervas (Pinto, 1995). Durante a estada destas entidades nos terreiros, incorporadas nos médiuns, dão passes e realizam benzeduras com ervas e folhagens. São associados às correntes espirituais mais elevadas, as que trabalham para o bem, mas que também podem ser perigosas quando usados contra alguém. Por isso são muito temidos. Diz um informante de Pinto (op. cit.: 53-54):
"... na antiguidade se tinha muito medo dos caboclos por causa das flechadas. A flechada de um índio é pior que o trabalho de um mestre... só algumas pessoas que sabem mexer e botar a mão ali dentro"
Nas Mesas o caboclo é simbolizado por príncipes, estátuas de índios e apetrechos confeccionados por ameríndios ou inspirados neles como cocas, flechas, preiacas, colares, etc.
Os caboclos comem frutas, flores, mel, carne bovina ou peixe, que pode ser crua, cozida no vinho, ou assada na brasa. Com a introdução de sacrifício de animais nas práticas juremistas, é comum oferecer-lhes pequenos animais como passarinhos, preás, coelhos e outro "bichos de caça". São oferecidos ainda raízes como a mandioca, a batata doce e alimentos confeccionados a partir delas. Alguns juremeiros oferecem vinho branco a estas entidades, outros apenas suco de frutas e refrigerantes como o guaraná. Normalmente os caboclos não fumam e no momento das reuniões e giras a eles destinadas não se deve fumar; contudo alguns caboclos se utilizam destes elementos. No caso dos caboclos que utilizem do tabaco em seus trabalhos, nas oferendas estes devem se fazer presentes na forma em que o caboclo em questão mais se agradar (cachimbo ou cigarro de palha ou charuto). Completam as oferendas as bugias ou inãs, as velas.
Na incorporação vê-se três estereótipos relacionados ao gênero e a faixa etária destas entidades: Os caboclos crianças, sejam de um sexo ou de outro, descem pedindo mel, balas e frutas. São pouco ascéticos quando comem estes alimentos, depositando e misturando os ingredientes no próprio chão dos terreiros. É costume, ainda, lambuzarem a si e aos com que compartilham de seu alimento. Muitas vezes querem comer pequenos insetos e répteis que encontrem nas casas de culto, sob a argumento de que nas matas comem destes animais. São brincalhões e falam uma linguagem infantilizada do tipo tati-bi-tati.
Os caboclos adultos do sexo masculino tem o semblante carrancudo. Sua voz , normalmente faz-se ouvir claramente. Descem em geral estalando os dedos e emitindo um som sibilante. Quando em reuniões, onde não haja o batuque dos tambores, dançam em círculo, dobrando um joelho e deixando a outra perna atraz (Pinto, 1995). Nas festas a sua coreografia muda assumindo os passos dançados pelos "caboclinhos" dos folguedos populares do carnaval pernambucano. As caboclas tem uma expressão facial de maior suavidade e, normalmente, falam uma linguagem onde se intercala no início das palavras a sílaba si.
Os Mestres
É mourão que não bambeia
É mourão que não bambeia
Os Mestres da Jurema
É mourão que não bambeia.
(Gira de Jurema)
Uma outra categoria de entidades que recebem culto na Jurema é a dos Mestres. Ao que parece o termo mestre é de origem portuguesa, onde tinha o sentido tradicional de médico (Motta, 1985), ou segundo Cascudo (1931) de feiticeiro. De forma geral, os mestres são descritos como espíritos curadores de descendência escrava ou mestiça (índio com negro ou branco com uma das duas outras raças). Dizem os juremeiros que os mestres foram pessoas que, quando em vida, trabalharam nas lavouras e possuíam conhecimento de ervas e plantas curativas. Por outro lado, algo trágico teria acontecido e eles teriam "se passado" (morrido), se encantando, podendo assim voltar para "acudir" os que ficaram "neste vale de lágrimas". Alguns deles se iniciaram nos mistérios e "ciência" da Jurema antes de morrer, como o mestre Inácio ou Maria do Acais e toda a linhagem de catimbozeiros de Alhandra, que após um ritual denominado "lavagem" ganham um lugar nas cidades espirituais e passam a incorporar nos discípulos que formaram (Vandezande, 1975). Outros adquiriram esse conhecimento no momento da morte, pelo fato desta ter acontecido próximo a um espécime da árvore sagrada.
No panteão juremista, existem vários mestres e mestras, cada qual responsável por uma atividade relacionada aos diversos campos da existência humana (cura de determinadas doenças, trabalho, amor...). Há ainda aqueles especialistas em fazer trabalhos contra os inimigos. Nas mesas, as representações das entidades relacionadas nesta categoria são as mais elaboradas, geralmente possuindo o estado completo e a "jurema plantada"; em especial a do "mestre da casa", aquele que incorpora no juremeiro, faz as consultas e iniciam os afilhados nos segredos do culto. Por tudo isso esse mestre é carinhosamente chamado de "meu padrinho".
Cada mestre está associado a uma cidade espiritual e a uma determinada planta de "ciência" (angico, vajucá, junça, quebra-pedra, palmeira, arruda, lírio, angélica, imburana de cheiro e a própria Jurema, entre outros vegetais), existindo ainda alguns relacionados a fauna nordestina (mamíferos - guará, preá -; aves - gavião, periquito, arara, pitiguarí -; insetos - abelhas, besouro mangangá; répteis - cobras). Para os mestres relacionados a uma outra planta que não a Jurema, são estas plantas (quando arvores) que tem seus trocos plantados nas mesas dos discípulos.
"No outro mundo, do lado de lá!
No outro mundo, do lado de cá!
Tem um pé de árvore, Angico real.
Tem um pé de Jurema, tem um pé de Jucá,
Tem um pé de árvore, Angico Real.
Ai meu Deus, Mestre Angico sou eu.
Ai meu Deus, Mestre Angico será.
Os anjinhos tão no céu, a sereia no mar.
Ai meu deus mestre Angico Reá.
(Jurema de Mesa)
Por exemplo, a cidade de Mestre Angico deve ser plantada em um troco da árvore do mesmo nome; as cidades das mestras geralmente são plantadas em trocos de imburana de cheiro. No caso dos mestres que tem relação com vegetais, são daquelas espécies que tiram a força e a "ciência" para trabalhar. Os que tem relação com animais, acredita-se que eles possam encantar-se em animais das espécies referidas, aparecendo em sonhos, visagens e, muitas vezes, assim metamorfoseados quando incorporados em seus discípulos.
Nesta categoria, como entre os caboclos, há uma distinção do gênero das entidades. Distinção que irá determinar seus atributos e como devem ser cultuadas.
O símbolo dos mestres masculinos é o cachimbo ou "marca", cujo poder está na fumaça que tanto mata como cura, dependendo se a fumaçada é "as esquerdas" ou "as direitas" (Pinto, 1995). Essa relação com a "magia da fumaça" é expressa nos assentamentos dos mestres, onde sempre se encontra presente "rodias" de fumo de rolo, nos cachimbos e nas toadas:
Como oferendas, os mestres recebem a cachaça, que nunca deve faltar quando estão presentes nos cultos, o fumo, seja nos charutos ou os utilizados nos cachimbos, alimentos preparados com crustáceos e moluscos diversos. Com essas iguarias, agrada-se e fortifica-se os mestres. A bebida feita com a entrecasca do caule ou raiz da Jurema e outras ervas de "ciência" (Junça, Angico, Jucá, entre outras) acrescidas à aguardente, é, entretanto, a maior fonte de força e "ciência", para estas entidades. Nos terreiros que sofreram maior influência dos cultos africanos, é comum o mestre receber sacrifícios de galos vermelhos, bodes e, muitas vezes, até de novilhos.
Quando em terra, incorporados, os mestres já chegam embriagados, tombando de lado a lado e falando embolado. São brincalhões, chamam palavrões, mas o que falam é respeitado por todos. Durante o transe os mestres apresentam-se com o corpo ligeiramente voltados para a frente. Na dança as pernas tem os joelhos ligeiramente flexionados, o pé direito vai a frente e dá dois passos para o mesmo lado, o pé esquerdo é arrastado; é então a vez do pé esquerdo ir a frente no mesmo estilo de dança; variações vão sendo executadas tendo como base o ritmo dos Ilus[11] e a letra das toadas.
Quanto as Mestras, reconhece-se seus assentamentos pela presença de leques, bijuterias, piteiras, cigarros e cigarrilhas. Como no caso dos mestres, existe uma infinidade destas entidades, com atributos e especialidades nas questões mundanas e espirituais. Algumas casas fazem uma distinção entre as mestras que trabalham "nas esquerdas" e "nas direitas". Nesta última categoria, encontram-se mestras como a Gertrudes e a Lorinda, ambas parteiras na vida material e hoje ajudam as mulheres no dar a luz a mais um "ser vivente".
Algumas mestras morreram virgens, por isso ganharam o estatuto de princesas quando ingressaram nas moradas do além. Vale lembrar os nomes de algumas princesas como a Mestra Marianinha, a Princesa Catarina e a Princesa da Rosa Vermelha.
Contudo, não é fácil encontrar, atualmente, a manifestação de tais mestras; encontramos bem mais as chamadas "mestras das esquerda", entidades que em vida material foram "mulheres de vida fácil"; mulheres das ruas e dos cabarés nordestinos.
Lembremos das Mestras Paulina e Juvina, inimigas desde as "bandas de Maceió"; Mestra Ritinha que se passou com quinze anos na Rua da Guia, antigamente uma das mais populares zonas de baixo meretrício recifense e que hoje abriga bares frequentados pela alta sociedade da cidade; Mestra Severina que residia no bairro do Pina e passeava no bonde do Loré quando este percorria as velhas ruas da capital pernambucana; Júlia Galega da Zona do Sul...
Tais mestras são peritas nos "assuntos do coração", são elas que dão conselhos as moças e rapazes que queiram casar-se, que realizam as amarrações amorosas, que fazem e desfazem casamentos.
Muito vaidosas, quando incorporadas elas trasvestem os seus discípulos de forma a melhor aclimatar a "matéria" as suas performances femininas. Quanto a mudança corporal característica da incorporação das mestras, observamos que quando estão dançando geralmente mantém uma ou as duas mãos dobradas com a palma para fora, na altura da cintura ou quadris. Quando seguram um cigarro, a palma da mão fica sempre distendida e a mostra. Na dança os braços fazem arcos; ficam distendidos ao longo do contorno da roupa; em alguns momentos, geralmente quando canta-se toadas que falam do corpo ou da sensualidade feminina, as mãos passeiam pelo contorno da silhueta corporal.
Outras entidades
Além dos caboclos e dos mestres, vem na jurema, mas com menos freqüência, os Pretos e Pretas Velhas. Espíritos de velhos escravos africanos, peritos em benzeduras e nos conselhos que dão a seus "netinhos" dos terreiros. Temos aqui, talvez, uma influência da Umbanda sobre o culto Juremista.
Contudo a influência dos cultos africanos é melhor expressa na incorporação dos Exus e Pomba Giras ao panteão juremista. Na Jurema eles aparecem como os servos dos mestres ou como mestres menos esclarecidos e mais propícios aos trabalhos para o mal.
Junta-se a este panteão os Santos da Igreja Católica, que são cumprimentados pelos mestres e caboclos, e os quais encontramos referências nas toadas e nas orações utilizadas nos fazeres mágicos ensinados pelos espíritos.
Também encontramos em algumas Juremas os Orixás do Xangô. Em algumas casas se abre as giras de jurema cantando para os Deuses de origem africana depois de saudar Exu. Entretanto as toadas são, geralmente, em português como na Umbanda.
Além disso, é comum os mestres indicarem serviços a serem feitos com o "povo da bunda grande" (modo como as entidades de jurema se referem ao culto dos Orixás), além de saberem quais os seus próprios Orixás de cabeça. Junte-se ainda o Deus Supremo, que é sempre saudado pelos mestres e caboclos: "quem pode mais do que Deus?" "Salve Deus!"
Os Ritos
Juremação e Tombo de Jurema
Olha o tombo na Jurema
No terreiro Juremar
Vou pedir força a meu pai
Licença pra trabalhar.
(Juremação)
Muitos juremeiros dizem que "um bom mestre já nasce feito"; contudo alguns ritos são utilizados para "fortificar as correntes" e dar mais conhecimento mágico-espiritual aos discípulos. O ritual mais simples, porem de "muita ciência" é o conhecido como "juremação", "implantação da semente", ou "Ciência da Jurema". Este ritual consiste em plantar no corpo do discípulo, por baixo de sua pele, uma semente da árvore sagrada.
Existem três procedimentos para se chegar a "juremação" dos discípulos. Em um primeiro, o próprio mestre espiritual é o responsável pela implantação da semente. Esse mestre promete ao discípulo e após algum tempo, misteriosamente, surge a semente em uma parte qualquer do corpo. Um segundo procedimento é aquele em que o líder religiosos (o juremeiro) realiza um ritual especial, onde dá a seus afilhados a semente e o vinho de Jurema para beber. Após este rito, o iniciante deve abster-se de relações sexuais por sete dias consecutivos, período em que todas as noites ele deverá ser levado em sonhos, por seus guias espirituais, para conhecer as cidades e aldeias onde aqueles residem. Ao final deste período, a semente ingerida deverá reaparecer em baixo de sua pele. Caberá, ainda, ao iniciante contar ao seu iniciador o que viu em sonho para que este reconheça ou não a validade de suas viagens espirituais e, por conseguinte, da juremação. Num terceiro procedimento, o juremeiro implanta a semente da Jurema, através de um corte realizado na pele do braço.
Há ainda, geralmente concomitante a ciência de Jurema, um ritual conhecido como a "Ciência do Cachimbo". Este dará, ao iniciante, força em suas "cachimbadas". Tal "ciência" é dada através do sopro invertido do cachimbo, onde a fumaça é jogada pelo tubo do mesmo, diretamente sobre a pele do braço do iniciante, até que o calor queime o local.
O "Tombo de Jurema" se constitui no processo pelo qual muitos dos mestres, que hoje estão no mundo espiritual, passaram para ganhar a "Ciência".
"Tombam" no pé da jurema e ao acordar estão prontos para trabalhar. Foi o caso do Mestre Carlos, famoso por seu dom de cura nas mesas de Jurema de todo o nordeste.
Ôh de casa Ôh de fora,
Quem é que me bate aí?
É Jesus, Nossa Senhora
As portas me vai abrir.
Ôh de casa Ôh de fora
Louvado seja meu deus!
Com Jesus, Nossa Senhora
Mestre Carlos apareceu.
Mestre Carlos é um bom mestre
Que nasceu sem se ensinar
Três dias levou caído
Na rama do juremá
Quando se alevantou
Foi mestre prá trabalhar.
(Jurema de Mesa)
Contudo, nos terreiros, o rito foi tornado bem mais complexo que sua referência mítica. O tombamento consiste, então, no oferecimento de alimentos e sacrifícios às correntes espirituais do iniciante. Nele comem o Caboclo, o Mestre, a Mestra, o Exu e a Pomba Gira do iniciante. Acontece ainda a juremação, com a implantação da semente através do corte na pele e a viagem espiritual. A viagem deve acontecer no período que se intercala entre a oferta dos sacrifícios ao caboclo e a preparação das comidas oferecidas em banquete ritual. Ainda durante o sacrifício, o iniciante é levado, durante o transe, para "correr as cidades espirituais". O interessante e singular neste transe é que os adeptos acreditam que enquanto a pessoa (Ego) é levada para realizar a viagem espiritual, o caboclo permanece no corpo do iniciante.
Concluído o sacrifício, passa-se a preparação das carnes dos animais e a partição das frutas e alimentos oferecidos aos encantados. O caboclo é alimentado com uma pequena porção de tudo que foi oferecido. Findo o banquete, o caboclo é então mandado de volta a sua cidade e o filho deverá contar ao seu iniciador o que viu. Se sua viagem for considerada válida segue-se os sacrifícios às demais entidades: o Mestre, a Mestra, o Exu e a Pomba Gira.
No dia posterior, em animada festa, o caboclo, vestido a caráter, deverá, como na iniciação do Candomblé, gritar o seu nome e também cantar sua toada. O Iniciante também poderá vestir as demais entidades a quem "deu de comer". A riqueza deste ritual completo está intrinsecamente ligada as condições financeiras do iniciante.
"Cada Jurema é uma Jurema"; existem muitas formas de se "trabalhar dentro da Ciência espiritual". Existem aqueles que realizam a Jurema de Mesa em seus terreiros. Os discípulos sentam ao redor de uma mesa, em cima destas alguns príncipes e princesas. Após louvar-se o nome do Nosso Senhor Jesus Cristo, exaltar-se a força da Jurema Sagrada e de outras Árvores encantadas, recitar-se uma oração Católica ou a "Prece de Cáritas", abre-se as sessões.
Uma "Mesa" pode ser aberta "pelas direitas" ou "pelas esquerdas". Nas abertas "pelas direitas", só as entidades mais elevadas devem se fazer presentes: Caboclos, Índios, Princesas e Mestres que já estão "perto de subir", todas "entidades de muita luz". Incorporadas elas dão passes, receitam banhos de ervas e defumações, além de cantarem seus pontos, afirmando assim sua força na Sagrada Jurema.
Quando se abre uma mesa "pelas esquerdas" qualquer tipo de entidade espiritual pode vir. Os trabalhos não precisam, necessariamente, visar o mal de alguém, contudo, aberto os trabalhos por este lado da"ciência", já é possível devolver aos inúmeros inimigos, que estão sempre a espreita, os males que estes possam estar fazendo.
Em algumas casas as reuniões não ocorrem em redor de uma mesa, mas perto da "mesa/altar" onde encontram-se assentados os encantados da casa. Por vezes isso acontece pela falta de espaço no cômodo onde acontece a reunião, em outros casos deve-se ao fato do terreiro não possuir médiuns desenvolvidos, em número o suficiente para compor "a corrente" de uma mesa. Contudo as entidades são chamadas, quase sempre, na mesma seqüência quando as reuniões acontecem com os discípulos sentados ao redor de uma mesa.
Orações e saudações feitas, canta-se para abrir a "mesa" e chamar os guias. Em algumas casas estes dão sua presença, afirmando que protegerão seus discípulos durante a realização dos trabalhos. Canta-se então para Malunguinho, o caboclo que pode vir como Mestre ou também como Exu. Para alguns ele é o verdadeiro Exu da Jurema. Em seguida canta-se para os demais caboclos do Juremá: Cabocla Aurora, Índio Tupi, Sete Flechas, Caboclo Guarací, os Tapuias e os Canidés, a própria Cabocla Jurema e seus "Capangueiros" do Além. Incorporando ou não eles são homenageados com toadas próprias.
Subindo o último Índio ou Caboclo, é o momento de todos, exceto o juremeiro-mor, se prostrarem de joelhos no chão e pedir ao Juremá licença para entrar em seus domínios; é que os "Senhores Mestres" já vem chegando...
Ôh, Jurema encantada!
Que nasceu em frio chão!
Daí-me força e ciência.
Como destes a Salomão!
Rei Salomão bem que dizia
A seus filhos juremados
Para entrar na jurema, mestre!
Tem que Ter muito cuidado!
Rei Salomão bem que dizia
A seus filhos juremeiros
Para entrar na Jurema, mestre!
Tem que pedir licença primeiro
Vamos saldar a Jurema, Mestre!
Vamos saldar Salomão
Vamos saldar a Jurema, Mestre!
Que é de nossa Obrigação.
Rei Salomão, Rei Salomão!
Arreia, Rial!
Rei Salomão do Juremá!
Arreia, Rial!
Eu vou chamar senhores Mestres!
Arreia, Rial!
Para com eles triunfar!
Arreia, Rial!
Os discípulos pedem benção aos Juremeiros mais velhos na casa. Saúdam com benzenções a Mesa da Jurema e os artefatos dos Mestres. A Jurema é dita aberta. Os Senhores Mestres começam a chegar.
Parece ser este o momento que todos esperam, a chegada dos Mestres e, quando estes se forem, a presença das Mestras. É o momento das consultas que sempre têm clientela certa. Momento onde coisas sérias são tratadas com irreverência, sem que no entanto percam a gravidade e o apreço dos mestres e mestras, sempre prontos a ajudar a seus afilhados. Nos casos mais graves, entretanto, o mestre logo marca um dia mais conveniente, onde poderá realizar "trabalhos em particular". É assim que o mestre, traz os recursos financeiros necessários para a manutenção da casa de culto e do seu discípulo.
A Jurema e o Campo Religioso Afro-brasileiro
A literatura clássica sobre o Xangô do Recife, tende a colocar como distintas e incompatíveis o Culto à Jurema e o Xangô Tradicional. A tendência é tomar como um dos critérios para identificar o grau de tradicionalidade das casas de santo, a realização ou não de tal culto. Os que cultuam o panteão juremista são logo caracterizados como sincréticos (Umbanda e Xangô-Umbandizado). Entretanto, Pinto (1995) traz para a literatura antropológica a importante constatação de que a Jurema, mesmo que muitas vezes esteja discursivamente invisível, está presente em todos aqueles espaços religiosos.
Mesmo nos Terreiros de Xangô mais tradicionais do Recife, alguns dos quais sem nenhum espaço ritualmente constituído para cultuar os espíritos da Jurema, estes reaparecem nas residências dos filhos de santo ou em terreiros afiliados (para os filhos que alcançaram a senioridade e abriram casas), recebendo culto de diversas formas.
Desse modo, não podemos entender a Jurema como uma forma secundária de religiosidade ou prática mágico-curandeirística. Embora, não possua ela uma existência autônoma, ou seja, ela apareça quase sempre relacionada a outras formas religiosas como o Xangô e a Umbanda, vemos a Jurema como tendo uma importância fundamental dentro dessas formas de religiosidade.
Nas conversas com o povo de santo, as pessoas falam que "A Jurema é quem dá o pão de cada dia", ou seja , é das consultas dadas pelas entidades e dos trabalhos por elas recomendados que vem grande parte do dinheiro para a manutenção da casa e de seus sacerdotes.
Além disso, mesmo almejando iniciar-se no culto aos Orixás e/ou aprofundar-se em seus "fundamentos" (para os que já tenham se iniciado), a grande maioria dos pais de santo iniciam sua carreira espiritual consultando seus clientes e filhos com as entidades de Jurema.
Pesquisado por Ednay Melo