Atuar como um intermediário entre seres pertencentes a planos diferentes não é uma tarefa simples, mas é a função do médium, e exige intenso e intermitente esforço de concentração, disciplina e trabalho.
Se a convivência com seres “normais”, encarnados, já é suficiente para levar muita gente à loucura, o que dizer das situações bizarras com as quais os médiuns e paranormais devem lidar diariamente. Imagine, por exemplo, receber visitas de espíritos que não sabem que estão mortos; ver a alma de um enteado deixando o corpo no momento do desencarne; sair do corpo durante o sono e se ver na cama dormindo; escrever mensagens em outros idiomas e sequer entender o que está escrito; andar por aí sem conseguir discernir quem está nesta ou em outra dimensão. As histórias envolvendo os médiuns seguem por esse caminho.
São várias as dificuldades e os desafios enfrentados pelos médiuns quando ainda não se adaptaram às suas faculdades psíquicas, ou ainda não as conhecem bem. Em muitos casos, o próprio desabrochar da mediunidade já é um tanto traumático e amedrontador para o indivíduo, levando-o ao desespero. Segundo Wiliam Jones, presidente do Centro Espírita Seara Bendita, muitas pessoas não prestam a devida atenção a essas manifestações em suas vidas; às vezes nem percebem sua mediunidade, e acabam inutilizando uma ferramenta que pode ser fundamental para o próprio auxílio espiritual, ou o auxílio a uma comunidade.
Na introdução do livro A Vida no Planeta Marte, Hercílio Maes (1913 – 1993), médium que psicografou diversas obras do espírito Ramatís, conta que seu caso começou de forma muito desagradável: “O excesso de fluidos, que vibravam em mim, transformou-se num fenômeno de opressão e ansiedade, que me levou aos consultórios médicos, ingressando, então, na terapia de sedativos e tratamentos de neurose de sangue, sem que, no entanto, conseguissem identificar a verdadeira causa do meu estado, o qual era todo de ordem psíquica. Felizmente, um amigo sugeriu-me que eu devia desenvolver-me num centro espírita. Aceitei a sugestão e, efetivamente, em menos de trinta dias, recuperei minha saúde, quanto a esse estado aflitivo e anormal de perturbações emocionais. Devotei-me, então, a uma leitura intensa do setor espiritualista. Todavia, não consegui livrar-me da complexa confusão anímica, que é a 'via-crucis' da maioria dos médiuns em aprendizado. No meu deslumbramento de neófito, alvorocei-me no anseio de obter ou desenvolver, o mais depressa possível, a mediunidade sonambúlica, pois ainda ignorava que as faculdades psíquicas exigem exaustivo esforço ascensional e que a disciplina, o estudo, a paciência e o critério cristão são os alicerces fundamentais do bom êxito. Além disso, a dor, com todos os seus recursos impiedosos, assaltou-me por largo tempo; doente, fui submetido a quatro operações cirúrgicas; sofrimentos morais, aumentados ainda por prejuízos econômicos, fecharam-me naquela situação acerba em que a alma se vê forçada a olhar as profundidades de si mesma em busca de um mundo extraterreno, liberto das ansiedades mesquinhas e de caráter transitório”.
“Então, no silêncio das noites insones, meditando profundamente, consegui encouraçar-me daquela resignação intrépida que decide o homem a aceitar todos os seus espinhos, desde que seja a serviço do Divino Mestre. E minha alma ouviu o cântico sublime daquele amor que nos leva a compreender que somos uma unidade cooperadora do equilíbrio do Universo Moral, servindo a Deus e ao próximo”.
“Após ter imposto esse traçado a mim mesmo, um dia, escutei a voz amiga e confortadora de Ramatís para guiar-me. E, então, a minha mediunidade começou a florescer como a flor cuja raiz encontrou um solo rico de energias vivificantes”.
Primeiros Avisos
Antes de relatar esse processo, Maes descreve com detalhes o primeiro contato que teve com Ramatís, aos três anos de idade. Já havia nele uma forte predisposição para a mediunidade que, contudo, só veio a aflorar muitos anos depois. Uma explicação possível para o caos em que se transformou sua vida num primeiro momento, pode ter sido a interferência de seu mentor espiritual para avisá-lo que precisava começar a se preparar. Quando a pessoa não atende ao chamado, seja por descrença, descaso ou desatenção, seu mentor pode incitar algum tipo de transtorno – que pode ser de ordem material, física ou existencial – com o objetivo de alertar o médium. “É uma forma de sinalizar o fenômeno”, observa William.
Para Albert Paul Dahoui, escritor de A Saga dos Capelinos (série de nove livros sobre Capela), a mediunidade aconteceu de forma inesperada. Em 1969, aos 22 anos, ateu e materialista, Albert procurava explicações para a vida e o universo através da ciência. “Namorava aquela que viria a ser minha primeira esposa, e ela era umbandista. Quando mencionou o fato, achei aquilo tudo muito estranho e resolvi investigar”, ele conta. Após meses de insistência, conseguiu convencer a esposa a levá-lo ao centro de umbanda. “Lá pelas tantas, ela teve uma manifestação. Neste instante, impelido pela curiosidade, levantei-me para observá-la melhor. Assim que o fiz, senti uma irresistível vontade de me sacudir. Um espírito incorporou-se, como se diz no linguajar comum, e me arremessou contra o chão, após um vôo sensacional. Assim que me levantei, já livre da incorporação, meu corpo todo tremia, mesmo que jamais estivesse tão calmo quanto naquele momento. Pensei comigo: ou enlouqueci ou existe algo nessa coisa toda que preciso descobrir. Alguns dias depois, entrava para o centro de umbanda”. Mais tarde, Dahoui percebeu que já manifestava os sintomas desde os dez anos.
Embora continuasse frequentando o mesmo centro, não foi na umbanda que ele encontrou explicações suficientes para esclarecer inúmeras dúvidas que lhe surgiam. “Temos a sorte de ter os livros de Alan Kardec, assim como o trabalho de vários pensadores e médiuns, especialmente Chico Xavier. Já, na umbanda, salvo exceções que acredito existir mas não as conheço, os livros doutrinários ou são pobres, ou são escritos por pessoas que podem até ter boa vontade, mas são culturalmente primárias”. Albert, que acabou se tornando médium de incorporação e intuitivo, acredita que a mediunidade e os estudos que dela decorreram lhe conferiram uma maior compreensão do universo e dos processos que o constituem. “Mas isto é um trabalho para sempre”, adverte. “Adquirir conhecimento é uma atividade permanente. Entretanto, a compreensão dos fatos existenciais nos dá uma força maior e nos permite superar os problemas”.
Problemas e Soluções
Militar do exército, hoje na reserva, o médium e escritor Eurípedes Kuhl, de 68 anos, também não teve um começo muito tranqüilo. “Tinha sonhos recorrentes sobre desastres aéreos, que se confirmavam em, no máximo, 48 horas. Queda de aviões não são rotina, mas também não são raras. Acontece que eu passei a saber onde e quando. Aí, não me restou escape: procurei freqüentar reunião mediúnica, na tentativa de entender o que isso representava”, conta Eurípedes. Aos poucos o tema dos sonhos deixou de ser “queda de aviões”, e passou a todo tipo de tragédia, que em seguida se consumava, até que um dia as premonições cessaram.
Assim como Dahoui, Eurípedes acredita que, ao conseguir educar a mediunidade, passou a ter uma nova visão da vida e do universo. “Tenho procurando ser mais tolerante, fato que só bem me faz. A visão da vida e da reencarnação, sob a ótica espírita é, para mim, a maior contribuição filosófica que o Espiritismo oferta à humanidade”, diz Eurípedes. Ele observa que, no espírita convicto, conquanto o instinto de conservação impere em todos os seres vivos, “a morte, em si, sem ser desejada, deixa de ser temida. Acredito na existência de outros universos, não apenas o físico (da astronomia) e no espiritual (da concepção espírita), mas também, universos em dimensões ultra-espirituais”.
Wagner Borges, especialista em projeção astral e fundador do Instituto de Pesquisas Projeciológicas e Bioenergéticas, afirma que desde sua primeira experiência mediúnica (enquanto dormia, saiu de seu corpo e pode se observar), já foi logo se informar sobre o fenômeno. “Nunca tive medo, porque sempre procurei entender o que acontecia. Li muitos livros e participei de reuniões em grupo, de modo que minha mediunidade foi se desenvolvendo à medida que eu ia compreendendo cada vez mais esse assunto”. Ele conta que, certa vez, apareceu-lhe um espírito que estava sem a cabeça. Wagner teve de fazê-lo entender que sua cabeça astral continuava lá, que fora o seu corpo material quem sofrera a lesão. “O espírito se apresenta para você da forma como ele mesmo se vê; então eu o vi sem a cabeça. Pouco a pouco, ela foi se reconstituindo, quando ele se convenceu de que ela estava lá”.
Episódios semelhantes são corriqueiros nos centros espíritas. “Houve um homem cujo rosto estava todo deformado, e que não sabia que tinha morrido num acidente de trabalho”, conta William Jones. “Enquanto ele regulava a pressão de uma caldeira ela explodiu na sua frente. Nós lhe 'emprestamos' ectoplasma e recompusemos seu perispírito. Quando ele se olhou com a face refeita, ficou tão feliz que chorava de emoção”, relembra. Depois disso, os médiuns orientaram-no a procurar assistência do plano espiritual. “Ele tentava falar com a família, mas achava que ninguém queria falar com ele porque estava deformado”.
Conhecendo os Sinais
Há cerca 100 tipos de mediunidade, dos quais os mais recorrentes são: a psicografia (mensagens escritas, transmitidas por um espírito através do médium), pictografia (pintura de imagens recebidas), clarividência (capacidade de ver acontecimentos passados ou futuros, ver o corpo astral de outras pessoas e ver espíritos), clariaudiência (propensão para ouvir os espíritos), etc. Os médiuns conhecedores do assunto explicam que cada espírito recebe um potencial diferente mediante sua ocupação na Terra. “Por exemplo”, diz William, “se você encarnou com o objetivo de ajudar a humanidade através do jornalismo, então suas aptidões estarão voltadas para a comunicação. É a mesma coisa com a mediunidade: cada um recebe a que precisa”.
Os sintomas mais comuns indicadores de forte predisposição para a mediunidade são: suor excessivo nas mãos e axilas; maçãs do rosto muito vermelhas e quentes; as orelhas ardem; depressão psíquica e instabilidade emocional, melancolia; distúrbios de sono, ou em excesso, ou insônia; perda do equilíbrio do corpo, sensação de desmaio iminente; súbita aceleração dos batimentos cardíacos (taquicardia); fobia e medo de quase tudo, sensação de insegurança. Mas tudo isso vai se estabilizando e desaparecendo conforme o médium canaliza de forma mais adequada suas faculdades psíquicas com muito estudo, trabalho e disciplina.
Uma das tarefas mais complexas para o médium novato é conseguir discernir as influências que atuam em sua psique. Não se questiona mais o fato de que o ser humano sofre interferências de todos os elementos que compõem o universo, e isso inclui as formas-pensamento de outros seres. De uma maneira ou de outra, todos os seres humanos são, em maior ou menor grau de intensidade, médiuns por natureza. “Às vezes, o indivíduo escreve uma mensagem e não sabe se veio dele mesmo, de seu mentor ou de outro espírito. Nem tem certeza se foi inspiração ou psicografia”, diz William. Além disso, o próprio médium, por falta de confiança ou desenvoltura em lidar com sua mediunidade, pode interferir no que o espírito está tentando lhe dizer.
Dahoui lembra um episódio, quando trabalhava com sua entidade no centro umbandista, em que veio um consulente pedir auxílio espiritual. “Era um homem negro, de trinta anos, e postou-se em perfeito mutismo. Em questão de segundos, passou pela minha cabeça que o rapaz tinha sido abandonado pela esposa e que ela tinha levado sua adorada filha de oito anos. Além disto, estava sendo acusado de desvio de mercadorias na empresa em que era guarda-noturno. Imediatamente, não permiti que minha entidade lhe falasse aquilo. Só podia ser coisa de minha cabeça: era muita desgraça para um homem só”. Convencido de que aquilo era uma criação de sua mente, Dahoui disse ao homem que estava tudo bem e que fosse embora, ao que o consulente, arrasado, retrucou dizendo que não estava nada bem e, em seguida, contou exatamente a mesma história que surgira na mente do médium. “A entidade ainda tinha tentado falar algo, mas eu – um médium novo na época –, fiquei aflito e querendo me ver livre da situação constrangedora”.
Concentrar no Amor
Dahoui ainda observa que, se o espírito quer dizer alguma coisa que o médium acredita ser invenção de sua cabeça – e muitas vezes é mesmo – ele é capaz de não deixar o espírito falar. “Muitas pessoas hão de ficar revoltadas com o que estou dizendo, mas posso assegurar que devo ter tido contato com mais de três mil espíritos e médiuns diferentes nestes 33 anos de pesquisa, e não encontrei um caso sequer em que eu pudesse dizer que o médium não interferiu de uma forma ou de outra, em menor ou maior grau”. Sendo assim, o esforço do médium consiste em “sintonizar a freqüência”, como se fosse uma estação de rádio, de modo que a “melodia” possa fluir com o mínimo de distorção.
Mas a coisa não pára por aí. É unanimidade entre os médiuns experientes que a evangelização é condição indispensável para uma orientação positiva das faculdades mediúnicas. “Não é necessário que a pessoa desenvolva algum tipo de trabalho diretamente ligado ao Espiritismo”, diz William Jones. “Aliás, ela nem precisa ser espírita, mas tem que se desenvolver moralmente e ampliar seu poder de amar incondicionalmente”. Wagner Borges, que não tem uma religião específica, concorda plenamente com esse ponto. “Se você tem amor dentro de você e ele está presente em todas as suas ações, então você já está no caminho certo”.
O executivo Ailton Leite, de 49 anos, nunca trabalhou num centro espírita, apesar de ser médium desde a infância. “Sempre quis ser médico de gente, mas acabei virando um médico de empresas”, conta Leite, que também afirma ter uma forte sintonia com Ramatís. Ele acredita que, se não fosse pela mediunidade, ele não teria mergulhado nos conhecimentos espíritas, que muito contribuíram para seu crescimento moral. “Na profissão em que atuo, a paciência, a honestidade e a serenidade são valiosos atributos”, observa Ailton. “Cada um recebe as faculdades de que necessita para desempenhar uma determinada função nesta vida. Se você é um espírito missionário, que não tem nada a pagar e só vem para trazer conhecimento à humanidade, o plano espiritual pode julgar providencial que sua mediunidade seja muito forte, a fim de que ela potencialize seu trabalho”, explica. William completa dizendo que às vezes, a mediunidade só vem para mostrar algumas coisas à pessoa.
Todos os entrevistados concordam que não é preciso ter uma religião para ser bom e fazer o que é correto. Segundo eles, na ausência de uma educação ética, o médium pode utilizar seu dom negativamente. Pode comercializá-lo, aproveitando-se da fragilidade das pessoas para cobrar por consultas nas quais é capaz de delatar maridos que traem, sócios que roubam, acidentes que irão acontecer ou ensinar como ganhar fortuna fácil. “Existem pessoas que usam seu poder para se promover e chamar a atenção do público”, diz William. Ailton reforça essa tese dizendo que as pessoas sempre procuram os efeitos especiais, em detrimento dos verdadeiros ensinamentos. “Se numa mesma rua estiver um homem que entorta garfos com o poder da mente, e mais adiante houver outro falando sobre amor, justiça e solidariedade, o povo vai atrás do primeiro”, ele ironiza.
A mediunidade em si, como todas as coisas no universo, não é boa nem ruim. O dinheiro na mão de uma pessoa pode servir para comprar uma arma e matar um ser humano, ou para comprar comida e alimentar uma criança faminta. No cosmo, há espíritos comprometidos com a evolução humana, há os que precisam desesperadamente de orientação, e há os que ainda mantêm um apego ferrenho aos bens materiais. Cada qual sintoniza com as pessoas da mesma estirpe, da mesma índole. Ou seja, cabe a cada ser humano determinar suas companhias e seu destino, nesta e em qualquer outra dimensão.
Nathalia Leite