Magia e Umbanda: Das brumas do imaginário à realidade de nossos terreiros
“O tempo da fé cega passou, pois, e chegamos à época da fé inteligente e da obediência razoável; o tempo em que não acreditaremos somente em Deus, mas em que havemos de vê-lo nas suas obras, que são as formas exteriores do seu ente.”
Éliphas Lévi
É muito provável que a Magia seja uma das manifestações mais antigas e elementares do gênero humano. Segundo Sir James Frazer - uma das autoridades mais célebres da antropologia - algumas pinturas rupestres já evidenciavam primórdios de magia “imitativa”, uma prática mística que consistia na crença de poder fazer mal a uma pessoa ou animal, através do flagelo de uma imagem que a representasse, forjada em barro, pintura, madeira, ou outro material maleável. Dessa forma, o homem das cavernas desenhava a presa desejada em paredes, antevendo o sucesso da caça. Há menções sobre a existência das artes mágicas em praticamente todas as civilizações que floresceram no planeta. Sabe-se que no Alto Egito, há cerca de 10.000 anos atrás, vigorava uma sociedade religiosa voltada para a prática da Magia, e que esta era vista como preceito fundamental para garantir a prosperidade, a fecundidade e as boas colheitas em todo o Reino governado pelo Faraó. O próprio Moisés, como membro da realeza egípicia, teria alcançado certo grau de iniciação em dogmas mágicos, antes de se lançar à defesa e condução do povo hebreu. Pouco mais adiante, na Grécia e em Roma, a Magia continuou a vicejar como instrumento de religiosidade, poder e manutenção da ordem social, mormente através de Oráculos que traçavam destinos e influenciavam governantes, pensadores e pessoas comuns a evitarem ou perseguirem determinados objetivos.
Mais tarde, com a ascensão do Cristianismo, e durante o período da história humana conhecido como Idade Média, a prática da Magia foi criminalizada ao extremo, e a partir dessa mesma época, a relação entre Magia e Satanismo se fixou definitivamente no imaginário coletivo. Não foram poucos os condenados à pena capital pela Igreja Romana, que, através de um sistema jurídico denominado “Santo Ofício”, lançou uma implacável perseguição aos praticantes dos “sortilégios” e “heresias” – algumas das variáveis sinonímicas da Magia Prática. Trazidos dessa época, ainda subsistem preconceitos atrozes contra as artes mágicas. Um exemplo claro é a estigmatização negativa de artefatos e animais. Como prova disso, observamos o receio de inúmeras pessoas perante a "imponência maléfica" de um bode, um corvo ou um gato preto.
Ao repudiar a tese de que a Magia representa tão somente a manifestação de forças diabólicas, a Umbanda a entende como expressão latente do poder volitivo dos Orixás. Quando manipulada em favor do bem comum, encontra respaldo no Éter Divino, e dinamiza a vontade de seu(s) operador(es) em fenômenos espiríticos que, via de regra, desencadeiam curas, harmonizações, ou mesmo os “milagres” que permeiam dogmas de outros credos. Em contrapartida, quando desprovida de preceitos cristãos, a Magia se converte em ferramenta espúria de vaidade e contenda espiritual, e fatalmente se converte naquilo que se convencionou chamar de “Magia Negra”. Obviamente, essa prática degenerada desencadeia sérios comprometimentos kármicos, atrasando significativamente a marcha do progresso espiritual de quem se serve de artifícios mágicos para fins escusos.
É bom não esquecermos: a Magia também é vulnerável à insensatez e ao fanatismo. Quando movida sob tais condições, ora converge para a superstição pueril, sem nenhum efeito prático, ora descamba para o fetichismo grosseiro, que, quase sempre, produz nefastas consequências sobre o incauto operador. Quando transmitida oralmente, sem profundidade iniciática, a Magia é transformada em “feitiço”: não passa de uma fórmula mecanicamente executada, que nem sempre alcança o objetivo espirítico desejável, dada a fragmentação ou o comprometimento de seu teor hermético.
Uma boa Escola Iniciática umbandista, conduzida por sacerdotes ilibados e calcada na luminescência moral do Evangelho Cristão, nos permite ter uma correta formação “acadêmica” acerca da Alta Magia, que deve ser conciliada à vivência prática da teoria transmitida. Devemos estar cônscios da responsabilidade que assumiremos, quando porventura assimilarmos os fundamentos magísticos que norteiam o culto dos Orixás, para assim nos tornarmos dignos guardiões de um conhecimento milenar, que, se não for guardado com a devida maturidade moral, poderá servir como instrumento de nossa falência espiritual. Não podemos nos esquecer que ser magista é como ser depositário fiel de uma arma de fogo. O mal uso que fizermos dela, fatalmente, nos conduzirá a uma infausta cobrança kármica futura.
Como diria Helena Blavatsky, todos os homens são magos, no sentido último da palavra. Todos podemos utilizar o divino poder criador, seja através do pensamento, seja pela força da palavra, seja pela simples ação. Ainda que o médium não seja magista “de berço”, e, por esta razão, não se encontre outorgado para executar trabalhos por conta própria, é salutar que aprenda os princípios magísticos de sua religião. Pois nem só com Mestres e Magos se constrói a Umbanda, mas sim, com aprendizes, auxiliares e entusiastas.
Luciano Martins Leite
FRAZER, Sir James George. O Ramo de Ouro. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 34 p.
MATTA E SILVA, Woodrow Wilson da. Lições de Umbanda e Quimbanda na Palavra de um Preto-Velho. 3 ed. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1975.
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