Livro: OS DRAGÕES
Autores: Maria Modesto Cravo / Wanderley Oliveira
Qual é o tema central da obra? O livro, publicado pela Editora Dufaux, é um romance cujo tema central é a história de Matias, uma alma atormentada que serviu durante séculos à comunidade dos dragões.
A autora espiritual tece um enredo leve e comovente no qual Matias, após o arrependimento, reencarna como médium sob orientação do espiritismo.
A cronologia do romance revela fatos ocorridos no movimento espírita brasileiro entre os anos de 1936 a 1964, período em que ocorreu o clímax de uma ação organizada pelos benfeitores no mundo espiritual para reencarnar milhões de corações que foram libertados de um dos mais tristes locais de maldade na erraticidade: o Vale do Poder.
O tema central do livro nos levará a perceber que, a maioria dos seguidores da mensagem do Evangelho, nos mais diversos segmentos cristãos, guardam algum tipo de laço com os dragões.
Quem são os dragões?
É a mais antiga comunidade da maldade que se organizou socialmente nas regiões chamadas subcrostais ou submundo astral. Segundo o romance, ela existe há 10 mil anos.
Essa comunidade, administrada por inteligências do mal, criou a Cidade do Poder e sua hierarquia é composta pelos “dragões” legionários, justiceiros e conselheiros. São espíritos que fazem o mal intencionalmente.
Os dragões podem reencarnar?
Muitos desses espíritos não conseguirão mais reencarnar na Terra devido à sua condição mental desequilibrada. Não haveria como manter uma gestação em tal nível de vibração. Serão deportados para outros mundos onde reiniciarão o seu progresso.
Contudo, muitos deles, quando tomados pelo arrependimento, reencarnam aqui no planeta e se melhoram.
No livro é abordado um modelo de psicologia usado pelas trevas. Que modelo é este?
Os dragões já utilizam um modelo de psicologia há mais de 300 anos para dominar e explorar.
Esse modelo pode ser compreendido da seguinte forma: imagine três círculos, um dentro do outro. No primeiro círculo de dentro escreva baixa autoestima. No círculo a seguir está a idealização. E no último círculo estão o melindre, o perfeccionismo e a intolerância.
Os dragões sabem que a doença psicológica básica em um planeta como a Terra é a escassez de estima pessoal, como um resultado de milênios no egoísmo. Quem tem baixa autoestima, idealiza a vida, as relações, as metas. Vive uma vida muito imaginária e distante do que é real. E quem idealiza em excesso torna-se muito melindroso, perfeccionista e intolerante.
Claro que, colocando de forma tão sintética, talvez surjam muitas dúvidas, mas o livro tece muitas abordagens sobre o assunto.
Costumo dizer que Os Dragões é um romance de autoconhecimento, porque, na verdade, a autora espiritual faz estudos muito profundos e fáceis de entender sobre o psiquismo humano.
Então, a baixa autoestima é o núcleo deste modelo?
Sim. Sob o enfoque espiritual, essa doença não é apenas o resultado de traumas e limitações sofridas na infância. Além disso, Maria Modesto Cravo explica, no livro, que esse estado psicológico caracteriza a maioria esmagadora dos habitantes terrenos, em maior ou menor escala, conforme os compromissos assumidos por cada criatura em sua consciência.
Qual o ponto de maior fragilidade nos centros espíritas que é explorado pelos dragões?
A convivência.
Os dragões sabem muito bem que não lidamos bem com nosso mundo interior e, consequentemente, projetamos isso nos relacionamentos.
As condutas mais exploradas para gerar conflitos na convivência são: maledicência, culpa, mágoa, rigidez, preconceito, irritação, julgamento, entre outras.
Quais os laços entre a comunidade espírita e os dragões?
A obra nos informa que muitos dragões reencarnaram nas religiões cristãs, e deixa claro que inúmeros regressaram ao solo brasileiro, inclusive, no seio do movimento espírita. Reencarnaram arrependidos e ansiosos pelo recomeço. Retornaram e foram iluminados pelo conhecimento espírita para sua remição consciencial.
Depois deste retorno de multidões ao movimento espírita brasileiro, a comunidade dos dragões passou a uma perseguição implacável aos espíritas, no intuito de inviabilizar as noções sobre como o mal organizado pretende dominar as sociedades e impedir o esclarecimento espiritual dos povos.
Fique à vontade para nos dar uma mensagem final sobre o livro Os Dragões.
Gostaria de reproduzir uma pergunta que fiz à autora espiritual, Maria Modesto Cravo, e a sua resposta repleta de sabedoria:
“Vemos muitas pessoas que não conseguem ler livros cujo conteúdo versa sobre as trevas. Nesse sentido, a senhora teria algo a dizer sobre Os Dragões, o trabalho que terminamos há pouco tempo?”
“Nossa reflexão nesta obra é apenas uma pequena fresta para que o homem, iluminado com o conhecimento espírita, perceba a natureza de nossos desafios e compromissos com as esferas subcrostais.
Falamos menos das trevas de fora que daquelas que trazemos por dentro.
Para quem deseja implantar a luz e o bem, é, no mínimo, uma obrigação conhecer nossos laços com as comunidades dos dragões”.
(Revista Cristã de Espiritismo)
Desobsessão no Centro de Umbanda
Disponibilizamos um trecho do livro Os Dragões, que mostra um trabalho de desobsessão realizado pelos espíritos que se apresentam na falange do Sr. Exu Marabô:
Sem se opor à minha presença, partimos em direção às furnas do mal. Clarisse, eu, Cornelius e mais um grupo de defesa do Hospital Esperança.
Chegando ao local, presenciei algo inusitado. O ciclope da mitologia grega não era pura imaginação. Indaguei de chofre:
— Quem são os ciclopes, Clarisse?
— Espíritos rudes a serviço do mal. Estamos na região subcrostal chamada Pântano das Escórias, subúrbio enfermiço do Vale do Poder. Aqui são feitos prisioneiros os servidores da maldade organizada que não obtiveram êxito em seus planos nefandos. Castigos e sevícias de todo o porte são levados a efeito nestas plagas.
— Por que viemos aqui?
— Venha! Vamos encontrar nossa equipe.
Logo adiante estava Eurípedes com uma equipe de vinte a trinta defensores. Tinha o braço ferido. Quem imagina os espíritos isentos dessa contingência, não concebe com exatidão os mecanismos fisiológicos e anatômicos do corpo espiritual, sujeito, nas proximidades vibratórias da Terra, às mesmas injunções de saúde e doença, dor e prazer. Um corte de dez centímetros na altura do ombro do benfeitor era cuidado com carinho por uma diligente enfermeira da equipe. A diferença ficava por conta do domínio mental. Enquanto era tratado, conversava atentamente com os presentes sem demonstrar uma nesga de sofrimento. Os ciclopes o feriram com seus chicotes impiedosos. Tive ensejo, ali mesmo, de manifestar meu carinho ao amigo querido. Embora minha surpresa, o tempo e a experiência foram me mostrando que tudo era possível ocorrer em tais tarefas socorristas. Incêndios, tiroteios, ciladas, guerras armadas e outras tantas manifestações de violência já conhecidas da humanidade. Não cheguei a ver os ciclopes naquela ocasião, mas só a onda de crueldade deixada no ambiente já me apavorava. Clarisse não regateava esclarecimentos a mim.
— Estamos no inferno de Dante, dona Modesta.
— Parece-me ser até pior do que ele descreveu.
— Sem dúvida.
— O que faremos agora?
— A tarefa por aqui já está cumprida. As entidades que necessitavam de socorro já foram levadas para onde prosseguirá o trabalho.
— Eram almas arrependidas?
— Não. Eram escravos da perversidade. Servidores inconscientes das sombras. Foram necessárias mais de quatro horas de intensas iniciativas para alcançar resultados no amparo. Ainda assim, veja o estado de nossos companheiros. Eurípedes ferido, os defensores exaustos e tudo isso apenas para que seis entidades pudessem ter acesso à manifestação mediúnica.
— Vão se comunicar a essa hora da noite? Que centro abriria suas portas? – expressei sabendo que já passava da meia-noite no relógio terreno.
— Os verdadeiros servidores cristãos só se utilizam do relógio com intuito disciplinar. Não condicionam o ato de servir aos ponteiros limitantes do tempo. Visitaremos o Centro Umbandista Pai Guiné, nos arredores de Uberaba.
— O pai-de-santo Ovídio?
— Ele mesmo.
Tive de confessar, em um primeiro momento, meu preconceito. Guardava respeito pelas demais religiões, entretanto, nunca havia refletido sobre quem seriam e onde estariam as cartas vivas do Cristo. Por uma tendência natural asilei o despeito. Ainda bem que foi algo muito passageiro em meu coração, porque as experiências fora e dentro da vida corporal, cada dia mais, apresentavam-me uma realidade distante das ilusões que adulamos sob o fascínio impiedoso do orgulho na sociedade terrena dos mortais.
Após as despedidas, a equipe de Eurípedes regressou ao hospital. O pedido de socorro foi uma medida preventiva. Apesar dos feridos e exaustos, todos guardavam o clima da paz.
Por nossa vez, partimos para o Centro Pai Guiné. Era um ambiente agradável em ambos os planos. Ao som dos atabaques, eram cantados os pontos em ritmo vibratório de alta intensidade. Cada canto era como uma verdadeira queima de fogos de artifício. Uma bomba energética explodia no ar em multicores.
Em uma das várias dependências astrais da casa havia uma enfermaria com oitenta leitos bem alinhados. Tudo nesse salão era limpeza e calmaria. Lá não se ouviam mais os cantos, e a conexão com o plano físico limitava-se ao trânsito de enfermeiros pelos vários portais interdimensionais. Regressamos ao ponto de intersecção vibratória com o plano físico.
Seis macas estavam dispostas no canzuá (terreiro). Em cada qual havia uma entidade de aspecto horripilante. Olhos que quase saíam das órbitas oculares, pele murcha, enrugada e suja, garras enormes no lugar das unhas, com dez centímetros, nas mãos e nos pés, todas retorcidas como as de águia. Magérrimos e nus. Causavam náuseas pelo odor. Olhavam para nós deixando claro que nos viam e, literalmente, grunhiam como porcos com a boca semi-aberta. Alguns deles estavam muitos inquietos nas macas. Retorciam-se como se estivessem com dor, sem manifestar nenhum som. Vários hematomas estavam expostos em todos eles, devido aos castigos impostos nos paredões de penitência.
— As garras são colocadas para impedir a fuga. Não andam nem têm grande habilidade manual – informou Clarisse, com manifesto sentimento de piedade.
— Como serão socorridos?
— Pela incorporação profunda ou vampirismo assistido.
— Nos médiuns umbandistas?
Mal terminei a pergunta e vi uma cena nada convencional. Um dos enfermeiros da casa pegou uma das entidades no colo e jogou-a no corpo do médium.
Demonstrando câimbras na panturrilha, o médium, incontinenti, absorveu mental e fisicamente o comunicante que se ajeitou no corpo do medianeiro como se deitasse em um colchão, buscando a melhor posição. Os atabaques aceleraram o ritmo, criando um frenesi de energia no ambiente. Formavam-se pequenos redemoinhos de cor violeta e prata, que se desfaziam e refaziam em vários cantos do terreiro. Modulavam conforme a nota musical dos hinos cantados.
O médium estrebuchou no chão. Convulsões e grunhidos seguidos de gritos de dor. Ovídio, o pai-de-santo aproximou-se e disse:
— Oxalá proteja seus caminhos, filho de Zambi (Deus).
— Eu sou filho do capeta. Quem és tu para falar comigo? – redargüiu a entidade, que agora falava com facilidade por intermédio do médium.
— Sou um tarefeiro da luz.
— Eu sou uma escória da sombra.
— Engano, criatura!
— Não vê minhas garras? Sabe o que isso?
— Conheço essa técnica. São ferrolhos do mal.
— Vejo que estais acostumados ao mal.
— Vim desses vales da sombra e da morte – falava Ovídio com firmeza na voz.
— Mas andas e és livre. Estais no corpo, enquanto eu... Eu sou um verme roedor... Ou quem sabe uma águia que não voa... Nem sequer consigo andar graças a essa maldição que colocaram em meus pés... Nem comer mais... Veja minhas mãos... Eu tenho fome e sede.
— Em que te posso ser útil irmão? – indagou Ovídio debaixo de uma forte vibração.
— Quero bebida e comida. Quero que cortem minhas garras.
— Laroyê! Laroyê – gritou Ovídio já incorporado por um de seus guias que entoava o canto: "Eu sou Marabô, rei da mandinga. Eu sou Marabô, Exu de nosso Senhô. Laroyê!"
Uma energia colossal movimentou-se com a chegada do Exu Marabô. Os filhos-de-santo o saudavam com palmas rítmicas e pontos próprios da entidade. Muitos deles iam até Marabô, baixavam a cabeça em sinal de reverência à sua frente e batiam três palmas rítmicas na altura do abdômen do médium.
— Que tu qué homem esfarrapado. Bebida pra mode se arrebentá mais?
— Não, senhor Marabô. Não é isso não.
— Não mente pra Marabô. Marabô sabe ler os ói (olhos). Nos ói tá a visão, mas tá também a verdade e a mentira.
— Eu não minto, senhor. Quero liberdade.
— Pra fazer o que dá na cabeça? Home tu preso é um perigo, livre é um desastre.
— O que o senhor vai fazer por mim? Não pedi a ninguém pra sair daquela joça de lugar fedorento. Por que me trouxe aqui?
— Não fui eu quem trouxe home. O véio Bezerra da luz é teu protetor. Sirvo a ele na graça de Oxalá, Pai de poder e misericórdia.
— Que queres comigo?
— Está feliz na matéria do cavalo (médium)?
— Sei que não é minha. Quero uma só pra mim.
— Está gostando do contato?
— Só fartô bebida e comida.
— Olha suas garras.
— Não pode ser! O que aconteceu?
– O cavalo (médium) ta dissolvendo suas algemas.
– Pra sempre?
– Pra sempre!
– Quanto vai me custar?
– Nada. É serviço de Pai Oxalá. É de graça. Pedido do veio Bezerra de Menezes. Se voltar pro inferno, elas crescem de novo. Se subir com Bezerra da luz, vai ser cuidado no hospital da sabedoria, onde reina os filhos de Gandhi.
– Filhos de Gandhi? Por que se interessaria por escórias como nós. Veja lá nas macas os amigos estropiados – e apontou para a sala ao lado.
– Nada retira do ser humano a condição de Filho do Altíssimo...
Laroyê Exu.
Exu é Mojubá.
Chegando ao local, presenciei algo inusitado. O ciclope da mitologia grega não era pura imaginação. Indaguei de chofre:
— Quem são os ciclopes, Clarisse?
— Espíritos rudes a serviço do mal. Estamos na região subcrostal chamada Pântano das Escórias, subúrbio enfermiço do Vale do Poder. Aqui são feitos prisioneiros os servidores da maldade organizada que não obtiveram êxito em seus planos nefandos. Castigos e sevícias de todo o porte são levados a efeito nestas plagas.
— Por que viemos aqui?
— Venha! Vamos encontrar nossa equipe.
Logo adiante estava Eurípedes com uma equipe de vinte a trinta defensores. Tinha o braço ferido. Quem imagina os espíritos isentos dessa contingência, não concebe com exatidão os mecanismos fisiológicos e anatômicos do corpo espiritual, sujeito, nas proximidades vibratórias da Terra, às mesmas injunções de saúde e doença, dor e prazer. Um corte de dez centímetros na altura do ombro do benfeitor era cuidado com carinho por uma diligente enfermeira da equipe. A diferença ficava por conta do domínio mental. Enquanto era tratado, conversava atentamente com os presentes sem demonstrar uma nesga de sofrimento. Os ciclopes o feriram com seus chicotes impiedosos. Tive ensejo, ali mesmo, de manifestar meu carinho ao amigo querido. Embora minha surpresa, o tempo e a experiência foram me mostrando que tudo era possível ocorrer em tais tarefas socorristas. Incêndios, tiroteios, ciladas, guerras armadas e outras tantas manifestações de violência já conhecidas da humanidade. Não cheguei a ver os ciclopes naquela ocasião, mas só a onda de crueldade deixada no ambiente já me apavorava. Clarisse não regateava esclarecimentos a mim.
— Estamos no inferno de Dante, dona Modesta.
— Parece-me ser até pior do que ele descreveu.
— Sem dúvida.
— O que faremos agora?
— A tarefa por aqui já está cumprida. As entidades que necessitavam de socorro já foram levadas para onde prosseguirá o trabalho.
— Eram almas arrependidas?
— Não. Eram escravos da perversidade. Servidores inconscientes das sombras. Foram necessárias mais de quatro horas de intensas iniciativas para alcançar resultados no amparo. Ainda assim, veja o estado de nossos companheiros. Eurípedes ferido, os defensores exaustos e tudo isso apenas para que seis entidades pudessem ter acesso à manifestação mediúnica.
— Vão se comunicar a essa hora da noite? Que centro abriria suas portas? – expressei sabendo que já passava da meia-noite no relógio terreno.
— Os verdadeiros servidores cristãos só se utilizam do relógio com intuito disciplinar. Não condicionam o ato de servir aos ponteiros limitantes do tempo. Visitaremos o Centro Umbandista Pai Guiné, nos arredores de Uberaba.
— O pai-de-santo Ovídio?
— Ele mesmo.
Tive de confessar, em um primeiro momento, meu preconceito. Guardava respeito pelas demais religiões, entretanto, nunca havia refletido sobre quem seriam e onde estariam as cartas vivas do Cristo. Por uma tendência natural asilei o despeito. Ainda bem que foi algo muito passageiro em meu coração, porque as experiências fora e dentro da vida corporal, cada dia mais, apresentavam-me uma realidade distante das ilusões que adulamos sob o fascínio impiedoso do orgulho na sociedade terrena dos mortais.
Após as despedidas, a equipe de Eurípedes regressou ao hospital. O pedido de socorro foi uma medida preventiva. Apesar dos feridos e exaustos, todos guardavam o clima da paz.
Por nossa vez, partimos para o Centro Pai Guiné. Era um ambiente agradável em ambos os planos. Ao som dos atabaques, eram cantados os pontos em ritmo vibratório de alta intensidade. Cada canto era como uma verdadeira queima de fogos de artifício. Uma bomba energética explodia no ar em multicores.
Em uma das várias dependências astrais da casa havia uma enfermaria com oitenta leitos bem alinhados. Tudo nesse salão era limpeza e calmaria. Lá não se ouviam mais os cantos, e a conexão com o plano físico limitava-se ao trânsito de enfermeiros pelos vários portais interdimensionais. Regressamos ao ponto de intersecção vibratória com o plano físico.
Seis macas estavam dispostas no canzuá (terreiro). Em cada qual havia uma entidade de aspecto horripilante. Olhos que quase saíam das órbitas oculares, pele murcha, enrugada e suja, garras enormes no lugar das unhas, com dez centímetros, nas mãos e nos pés, todas retorcidas como as de águia. Magérrimos e nus. Causavam náuseas pelo odor. Olhavam para nós deixando claro que nos viam e, literalmente, grunhiam como porcos com a boca semi-aberta. Alguns deles estavam muitos inquietos nas macas. Retorciam-se como se estivessem com dor, sem manifestar nenhum som. Vários hematomas estavam expostos em todos eles, devido aos castigos impostos nos paredões de penitência.
— As garras são colocadas para impedir a fuga. Não andam nem têm grande habilidade manual – informou Clarisse, com manifesto sentimento de piedade.
— Como serão socorridos?
— Pela incorporação profunda ou vampirismo assistido.
— Nos médiuns umbandistas?
Mal terminei a pergunta e vi uma cena nada convencional. Um dos enfermeiros da casa pegou uma das entidades no colo e jogou-a no corpo do médium.
Demonstrando câimbras na panturrilha, o médium, incontinenti, absorveu mental e fisicamente o comunicante que se ajeitou no corpo do medianeiro como se deitasse em um colchão, buscando a melhor posição. Os atabaques aceleraram o ritmo, criando um frenesi de energia no ambiente. Formavam-se pequenos redemoinhos de cor violeta e prata, que se desfaziam e refaziam em vários cantos do terreiro. Modulavam conforme a nota musical dos hinos cantados.
O médium estrebuchou no chão. Convulsões e grunhidos seguidos de gritos de dor. Ovídio, o pai-de-santo aproximou-se e disse:
— Oxalá proteja seus caminhos, filho de Zambi (Deus).
— Eu sou filho do capeta. Quem és tu para falar comigo? – redargüiu a entidade, que agora falava com facilidade por intermédio do médium.
— Sou um tarefeiro da luz.
— Eu sou uma escória da sombra.
— Engano, criatura!
— Não vê minhas garras? Sabe o que isso?
— Conheço essa técnica. São ferrolhos do mal.
— Vejo que estais acostumados ao mal.
— Vim desses vales da sombra e da morte – falava Ovídio com firmeza na voz.
— Mas andas e és livre. Estais no corpo, enquanto eu... Eu sou um verme roedor... Ou quem sabe uma águia que não voa... Nem sequer consigo andar graças a essa maldição que colocaram em meus pés... Nem comer mais... Veja minhas mãos... Eu tenho fome e sede.
— Em que te posso ser útil irmão? – indagou Ovídio debaixo de uma forte vibração.
— Quero bebida e comida. Quero que cortem minhas garras.
— Laroyê! Laroyê – gritou Ovídio já incorporado por um de seus guias que entoava o canto: "Eu sou Marabô, rei da mandinga. Eu sou Marabô, Exu de nosso Senhô. Laroyê!"
Uma energia colossal movimentou-se com a chegada do Exu Marabô. Os filhos-de-santo o saudavam com palmas rítmicas e pontos próprios da entidade. Muitos deles iam até Marabô, baixavam a cabeça em sinal de reverência à sua frente e batiam três palmas rítmicas na altura do abdômen do médium.
— Que tu qué homem esfarrapado. Bebida pra mode se arrebentá mais?
— Não, senhor Marabô. Não é isso não.
— Não mente pra Marabô. Marabô sabe ler os ói (olhos). Nos ói tá a visão, mas tá também a verdade e a mentira.
— Eu não minto, senhor. Quero liberdade.
— Pra fazer o que dá na cabeça? Home tu preso é um perigo, livre é um desastre.
— O que o senhor vai fazer por mim? Não pedi a ninguém pra sair daquela joça de lugar fedorento. Por que me trouxe aqui?
— Não fui eu quem trouxe home. O véio Bezerra da luz é teu protetor. Sirvo a ele na graça de Oxalá, Pai de poder e misericórdia.
— Que queres comigo?
— Está feliz na matéria do cavalo (médium)?
— Sei que não é minha. Quero uma só pra mim.
— Está gostando do contato?
— Só fartô bebida e comida.
— Olha suas garras.
— Não pode ser! O que aconteceu?
– O cavalo (médium) ta dissolvendo suas algemas.
– Pra sempre?
– Pra sempre!
– Quanto vai me custar?
– Nada. É serviço de Pai Oxalá. É de graça. Pedido do veio Bezerra de Menezes. Se voltar pro inferno, elas crescem de novo. Se subir com Bezerra da luz, vai ser cuidado no hospital da sabedoria, onde reina os filhos de Gandhi.
– Filhos de Gandhi? Por que se interessaria por escórias como nós. Veja lá nas macas os amigos estropiados – e apontou para a sala ao lado.
– Nada retira do ser humano a condição de Filho do Altíssimo...
Laroyê Exu.
Exu é Mojubá.
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