Outro dia, em conversa com o Pai Pequeno, comentamos que as maiores demandas que um terreiro enfrenta não são as vindas de fora. Essas são apenas “demandas oportunistas”, que aproveitam os enfraquecimentos causados pelas demandas verdadeiras para se instalarem. E quais seriam as “verdadeiras”? As verdadeiras, as mais difíceis de se resolver, as que desgastam mais e que mais abalam as estruturas espirituais da casa são as demandas INTERNAS, particularmente aquelas que envolvem filhos do mesmo terreiro.
Não estou falando de demandas espirituais no sentido literal, ou seja, de uma pessoa fazer um trabalho contra outra dentro do mesmo terreiro. Não! Isso é tão fora de contexto que não vou nem considerar nas minhas observações. Chamo de “demanda interna” as broncas, os ódios, as resmunguices, os olhares enviesados, o cochicho escondido, o rosto virado, o “não falo com”, e outras coisas parecidas. E antes de eu continuar, já peço: NÃO PARE DE LER! Pode ser que eu esteja falando de você e para você, e gostaria que prestasse atenção! É importante!
A primeira reação da maioria das pessoas, nesse momento, é pensar: “É mesmo! Esse assunto é muito importante, e que bom que está sendo abordado aqui, porque já vi que Fulano age assim com Beltrano, e Beltrano age da mesma forma com Sicrano.” Se o seu pensamento foi esse, caro leitor, eu repito: NÃO! Não é do Fulano e nem de Beltrano que estou falando! É de você! Sim, você mesmo! Aí, dito isso, você deve estar pensando: “falando de mim? Não mesmo! Eu não ajo assim com ninguém, a não ser com tal pessoa, mas só porque ele (a) faz assim comigo...” Outros dirão: “Ah... só faço isso quando tenho razão...” E outros: “Faço porque não tolero algumas coisas, não tenho sangue de barata...” Ui! Foram três chutes na canela, se você não percebeu... Então, por isso, vamos lá! Vamos tentar deixar as coisas mais claras!
Vamos começar falando de você! Sim, falando de você que procurou um terreiro de Umbanda porque reconheceu-se necessitado de auxílio para desenvolver-se mediunicamente e crescer espiritualmente e moralmente. Naquele dia em que iniciou-se na Umbanda, você desejou aprimorar sua mediunidade e se tornar uma pessoa melhor, lembra? E isso, porque você olhou para trás e falou: “já andei por tantos lugares e já fiz tanta coisa errada... Quero mudar! Quero evoluir!” Aliás, “evoluir” é a palavra que a maioria fala. E o “evoluir” significa “conseguir errar menos”. E quantas vezes você já errou em sua vida? Quantas vezes você falou algo de que se arrependeu depois? Quantas atitudes você não teria tomado se pudesse voltar no tempo? E sabe por que você errou tanto? Eu sei: por ignorância! Não foi porque você é mau! Em toda a sua vida, você só quis ser feliz mas, por não saber o caminho certo, muitas vezes optou pelo errado! Aquela palavra áspera que você falou para alguém foi porque, naquele momento, você achou que era o melhor a ser dito! Aquela falta grave só foi cometida porque a sua consciência, naquele momento, não viu nada demais naquela ação... E as percepções dos erros que cometeu só vieram depois de ver o desfecho das coisas e sofrer as consequências, não foi? Pois é... É assim que aprendemos... Nós erramos, sofremos as consequências, para só depois aprendermos o que não deveríamos ter feito... Isso acontece com você, acontece comigo e... acontece com todos, incluindo com seu irmão de terreiro!
Você – tenho certeza – ficaria muito grato se as pessoas que você magoou, aquelas para quem você falou palavras ásperas (lembra daquele momento em que você estava irritado?), ou que sofreram por alguma atitude errada sua, conseguissem ter esse pensamento a seu respeito, e entendessem que tudo o que você fez, não o fez por maldade, que você tem boas intenções, mas que erra somente por ignorância, na tentativa de ser feliz... E continuassem a te amar e a desejar tudo de bom para você... Não seria ótimo? Pois é! Isso, todos nós gostaríamos em relação a nós mesmos! Mas e em relação aos outros?
Se nós erramos por ignorância, por que não podemos aceitar que os outros também sejam ignorantes e, por isso, tenham o direito de também errar?
Se nós queremos ser compreendidos em nossas limitações, por que não entender que as limitações dos outros também devem ser compreendidas?
Se nós, independente das aparências, estamos fazendo força para melhorar, por que não entender que os outros, mesmo que não pareçam, também estão tentando se superar?
Se nós esperamos que tolerem nossos defeitos, por que não tolerar os dos outros?
Eu sei o porquê de tudo isso! Sabe qual é a razão? É o EGO! O ego que não deixa tolerar os erros dos outros; o ego que não deixa “levar desaforo para casa”; o ego que fala: “fui ofendido e não posso aceitar isso...” e ainda se auto justifica com a frase: “tenho gênio mesmo!” Enfim, o culpado de tudo é o seu ego que impede você de ver que o outro que lhe ofendeu é um ser igualzinho a você, que erra por ignorância, na tentativa de ser feliz, e que irá aprender a ser melhor conforme sofrer as consequências dos seus atos.
Tem gente que ao chegar nesse ponto da leitura deve pensar: “eu tenho muitos defeitos sim, mas nunca fiz o que Fulano faz...” Engano seu, meu amigo! Pode ser que você hoje não faça, ou por falta de oportunidade ou porque já fez no passado (mesmo que tenha sido em outra encarnação), sofreu as consequências e, com isso, aprendeu que não se deve fazer... Em contrapartida, você tem muitos outros defeitos que podem ser repugnantes para outras pessoas e, para você, é só um defeitozinho....
Aí, pode ser que você fale: “Ah... eu sou assim mesmo, tem coisas que não tolero e vou precisar de muitas encarnações para ver de outra forma!”. Ué, mas para quê mesmo você procurou a Umbanda? Não foi para tentar ser melhor? Quando é que vai começar a praticar? Instrução espiritual e moral não faltam. O Preto-Velho fala da humildade, do perdão... E se você já o recebe, pode ser que fale através da sua boca... O Caboclo fala da fraternidade, a Criança da pureza, o Exu da compreensão... E o que você leva disso tudo para você? O que os Guias pregam só serve naqueles momentos dentro da gira? Quem é que, de fato, está tentando ser melhor assim?
Cadê a compreensão dos limites dos outros? Cadê o esforço para entender a ignorância alheia? Onde está a consciência de que todos somos seres imperfeitos e em evolução?
Tem gente que fala: “Ok! Sendo assim, vou passar a tratar normalmente o fulano aqui dentro do terreiro, mas lá fora, não quero assunto...” Ué... Existe “meia evolução”? Quem quer evoluir escolhe hora e local para tentar ser compreensivo e amar?
E você? Já se localizou na leitura deste texto? Tomara realmente que ele não sirva para você! Mas se você ainda tem dúvidas, deixa eu te ajudar:
Há alguém dentro do terreiro com quem você não fale de propósito?
Você se reúne com pessoas ou participa de algum grupo virtual onde se aproveita para comentar defeitos dos outros?
Há alguém dentro do terreiro que você não convidaria para passar uma tarde com você?
Você já se pegou postando indiretas na internet, pensando em alguém do terreiro?
Se você respondeu “sim” a algum dos itens acima, é bom verificar seus sentimentos, pois há indícios de que você ainda está com dificuldades em melhorar, perdoar, amar e ver seus irmãos com outros olhos, procurando compreender os limites e a ignorância de cada um...
Estou ouvindo alguém dizer: “Já tentei tratar Fulano melhor, mas ele não tem jeito!” E o seu comportamento tem que depender do comportamento do outro? Você quer ser melhor pelos outros ou para ficar em paz com a sua consciência e conseguir a tal da “evolução”? Imagine se Jesus amasse e tratasse bem somente os bons e, aos maus, retribuísse com grosseria ou desprezo? Como será que você seria tratado por ele?
Outros falam: “Fulano não age certo! O correto seria daquela forma!” Não espere dos outros reações que VOCÊ teria!Cada um tem um grau de entendimento e seus próprios limites! No futuro, com as consequências dos atos, é que cada um vai aprendendo mais e ampliando sua visão! E você, já está se esforçando para ver dessa forma, mais ampla?
Há, ainda, os que dizem: “Mas eu não sou obrigado a gostar de Fulano ou a querê-lo perto de mim!” Sim, meu filho (a), você não é obrigado a nada! Mas quem é que queria mesmo se superar e evoluir? Aliás, foi para isso que você entrou para o terreiro de Umbanda, lembra? Ninguém irá te cobrar por isso, mas até onde vai realmente sua vontade de crescer? Ela vai só até onde começam o ego e a intolerância? Bom, a solução de tudo isso é simples: basta praticar o que os seus próprios Guias (ou os dos seus irmãos, caso você ainda não incorpore) ensinam: amar, perdoar, compreender, não julgar, ajudar, etc. Fazendo assim, no final das contas todos saem ganhando! O terreiro ganha mais fraternidade; o “fulano” ganha os seus exemplos; e você ganha por estar sendo melhor, conseguindo se superar!
E, se com tudo isso, ainda não te convenci, leia as palavras abaixo e reflita sobre cada frase. Não pule e nem diga para você: “ah, já conheço...”. Não! Leia de verdade, e veja onde você se encaixa e o que falta encaixar. E não pense que estou falando de outra pessoa não! Estou falando de você! Pois este texto serve para todos! Ah! E depois releia tudo outra vez!
Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ÓDIO, que eu leve o AMOR;
Onde houver OFENSA, que eu leve o PERDÃO;
Onde houver DISCÓRDIA, que eu leve a UNIÃO;
Onde houver DÚVIDA, que eu leve a FÉ;
Onde houver ERRO, que eu leve a VERDADE;
Onde houver DESESPERO, que eu leve a ESPERANÇA;
Onde houver TRISTEZA, que eu leve ALEGRIA;
Onde houver TREVAS, que eu leve a LUZ.
Ó mestre, fazei que eu procure mais CONSOLAR que ser consolado;
COMPREENDER, que ser compreendido;
AMAR, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive
para a Vida Eterna!
E só para finalizar: Nenhum de nós é perfeito! Nem eu, nem você e nem o nosso irmão de terreiro! Mas temos que nos esforçar por nos superarmos! Temos que ganhar a medalha de ouro do autocontrole! Temos que tentar fazer com que a consciência supere sempre a paixão! E não podemos terminar nossa história assumindo para nós a “Síndrome de Gabriela”, sem querermos vencer nossos limites, sem sairmos da zona de conforto, justificando nossos destemperos nas condutas dos outros e, simplesmente, aceitando passivamente a forma como somos atualmente. Não! Essa seria a Gabriela de Jorge Amado; e ela diria: “eu nasci assim, eu cresci assim e vou ser sempre assim!”. Nós não! Não mesmo!
Se algo não ficou claro, leia outra vez!
Tata Luis
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