Sair de um terreiro requer responsabilidade, cuidado, conversa, sabedoria e respeito.
Quem já não viu, sentiu ou presenciou a vida virar de cabeça para baixo ao sair de um terreiro?
Dá uma sensação de caminhos fechados, de reviravolta, acontecendo tantas coisas estranhas que o primeiro e mais persistente pensamento é: “foi só sair do Terreiro que minha vida andou para trás”. Consequentemente vem o pensamento negativo sobre a Umbanda relacionando-a a dor, sofrimento e escravidão. Automaticamente o terreiro que frequentava se torna de baixo nível, os pais da casa se tornam pessoas do mal, demandadoras e vingativas, e todos os benefícios recebidos, todos os trabalhos espirituais, toda a ajuda, sustentação e ações realizadas por meses, anos ou décadas se tornam sem importância e irrelevantes.
Pois é, eu mesma já vivi essa situação e sei bem o que é esse momento na vida de um médium, no entanto, acredito que poucos sabem e, com certeza, pouquíssimos vivenciam o outro lado dessa história. Falo do lado da mãe ou pai espiritual que, por seus anos de caminhada, por sua preparação e ‘feitura’ específica, conhece um pouco mais sobre a ação do baixo astral e do Plano Astral Superior – fato este que, supostamente, favorece a maior habilidade do pai espiritual em ser o intermediário entre as Forças Divinas, assim como na sua maior capacidade no Saber e na sua maior competência no Agir – enquanto os médiuns, supostamente, ainda vêem somente o seu em volta, esquecendo ou não sabendo ver além, ver outras possibilidades ou outras situações, o que caracteriza o limitado campo de visão e de compreensão que muitos médiuns possuem quando o assunto é espiritualidade.
Portanto, como hoje estou do lado minoritário e com uma capacidade diferente de percepção, quero falar, de forma simples, um pouco do que acontece quando um médium sai de um Terreiro. Consciente de que minha visão ainda é muito limitada, de que é impossível falar em regras quando o assunto é “espiritualidade x homem” e de que ainda tenho muito que aprender, gostaria apenas – sem nenhuma pretensão de julgar ou caracterizar as atitudes ou as pessoas – estimular o “pensar do outro lado”. Quem sabe assim teremos médiuns mais tranquilos, mais cuidadosos, responsáveis e falando menos mal da Umbanda.
E para começar a pensar com clareza no que acontece quando um médium sai de um terreiro precisamos saber como ele saiu e como estava envolvido com esse templo religioso. Vejam alguns exemplos: temos os médiuns que saem em pé de guerra; os que saem pela impossibilidade de disponibilizarem mais tempo; os que saem por motivo de doença; os que saem por melhorarem no campo profissional dificultando a permanência no terreiro; os que saem por novos estudos, que acontecem nos mesmos horários das atividades do terreiro e tem ainda os que simplesmente somem, entre alguns outros motivos.
Aqueles que saem em ‘pé de guerra’ são os que mais sofrem ao saírem do terreiro e o mais comum é pensarem que o Terreiro que frequentavam e, portanto, seu ex-pai de santo está demandando contra eles. A associação da ‘vida virar’ com o pai de santo que, (supostamente) está com raiva do médium que saiu por não aceitar as regras, por não aceitar a forma de conduzir e agir do pai de santo, é quase que unânime. No entanto, esquece-se da Lei da Afinidade, da Lei da Ação e Reação, do livre-arbítrio e da responsabilidade que o próprio médium tem, sendo mais fácil se colocar, muitas vezes, em posição de vítima esquecendo-se de suas ações, obrigações, merecimentos e falhas. Nesse momento perdem-se grandes oportunidades como a de fazer o bem seja lá a quem, do crescimento individual e em grupo que um terreiro proporciona, da simplicidade com que a vida e a Umbanda devem ser vividas. Esquece-se inclusive do Baixo Astral e de como ‘ele’ pensa longe, como ‘ele’ vê e se preocupa com o futuro, como ‘ele’ é forte e determinado em suas ações mesmo quando age de forma sutil, como muitas vezes faz.
Entendo que nesse caso a maior brecha é a falta de confiança entre médium e pai espiritual que acontece, entre tantas coisas, pela falta de comunicação entre eles. É o pai que não responde, não explica, não pergunta, não fala com seu filho espiritual; é o filho que não fala com seu pai de santo, que procura outros para compartilhar seus problemas, para lhe explicar o que pode estar acontecendo, para falar sobre suas sensações, sentimentos e necessidades, é a fofoca, a crítica, o julgamento, o egocentrismo, é a guerra do poder, do comando, do saber, e logo percebe-se índios querendo ser caciques e caciques esquecendo-se dos índios que compõem sua tribo. Nesses casos, médiuns e pais sofrem, terreiros enfraquecem e as dores aumentam significadamente.
Mesmo porque é comum, nesses casos, a saída acontecer em grupo e os médiuns unidos (talvez pela força do baixo astral) sentem-se fortes, livres, autodidatas, autossuficientes, até passar as primeiras semanas, depois percebem as dificuldades, a tristeza por se sentirem sozinhos, por não estarem trabalhando a mediunidade e começam, quase sempre com o mesmo grupo, a fazer reuniões para apenas estudarem. Com o tempo começa uma necessidade aqui, outra ali e quando se dão por conta estão incorporando, fazendo descarrego, atendimentos e tudo isso sem nenhum assentamento, sem nenhum comando, sem nenhuma obrigação religiosa cumprida, sem nenhuma firmeza de coroa, sem nenhuma outorga espiritual. E salve a mistificação, salve o oba-oba, salve o baixo astral…
Aqui, do meu lado, fico pensando como alguém que não sabe obedecer, compreender, ajudar e aceitar pode querer mandar, pode querer que o compreendam, que o ajudem e que o aceitem? Fico pensando quem está demandando contra quem? Será mesmo que é demanda do pai de santo, da Umbanda … ou será o próprio médium manifestando de forma potencializada o que sempre foi?
Claro que esse tipo de saída, no qual o médium está sob uma ação negativa, não é uma regra, existem também casos em que o próprio pai de santo e, consequentemente, todo seu trabalho realizado dentro do terreiro está sob ação do baixo astral e não tem nada de religioso, dessa forma a saída do médium é por falta de afinidade mesmo, caracterizando o bom uso de seu livre arbítrio, e pela sua falta de interesse em conquistas fáceis e milagrosas. Nesses casos a ação do astral superior é mais forte dentro do íntimo do médium, afinal teve maior capacidade de não cair na emboscada em que, vale ressaltar, de alguma forma, mesmo que por um pequeno período, ele mesmo se meteu e se sentiu atraído.
Quanto àqueles que saem pela impossibilidade de disponibilizarem mais tempo, percebo que vivem grandes conflitos com seus desejos e necessidades e que, infelizmente, acabam sempre colocando os desejos acima das necessidades, ou seja, é aquele médium que vive em um sofrimento contínuo, e que ele mesmo produz, pela sua própria incapacidade de realizar aquilo que deseja e que precisa.
Muitas vezes o médium não percebe esse conflito e suas reações, assim como não percebe que perdeu o sentido do valor espiritual e ‘escolhe’ aquilo que provocará uma realização social, que muitas vezes é tão momentânea que no dia seguinte já se deseja outra coisa, e outra, e outra, e… São pessoas que têm dificuldade de lidar com o tempo e de identificar e compreender o sentido do “Valor” em suas vidas, pessoas que se perdem no tempo e vagam mundo afora em contínuo conflito em busca de mais tempo e de novos valores.
Já aqueles que saem por motivo de doença, por melhora no campo profissional dificultando a permanência no terreiro ou por novos estudos que acontecem nos mesmos horários das atividades do terreiro são aqueles que, na maioria das vezes, estão sendo atacados fortemente e sutilmente pelo baixo astral.
Sei que relacionar sucesso profissional ou oportunidade de estudo com baixo astral parece ilógico, no entanto vale a pena pensar com calma no que esse “sucesso” pode proporcionar e, nesse caso, é fato que o que será proporcionado é o afastamento do médium, portanto: “ponto para o baixo astral”.
Para se ter mais clareza do que estou falando aconselho a leitura do livro “Aconteceu na Casa Espírita” – pelo espírito Nora através do médium Emanuel Cristiano, editora Allan Kardec – que mostra claramente como esse ataque, entre tantos outros, acontece em um Centro, aliás, no meu entender, ler esse livro é fundamental para qualquer um que queira trabalhar como intermediário do Plano Astral consciente de obrigações e responsabilidades.
Transcrevo abaixo um diálogo entre dois seres de baixa vibração retirado do livro em questão para que se observe como o baixo astral é capaz de proporcionar oportunidades, como influencia sutilmente os médiuns, como espera e incentiva as brechas e como sabe o que quer e onde quer chegar.
“- Gonçalves!
- Pois não, senhor!
- Qual o resumo do nosso trabalho? Como estão as tarefas dos outros camaradas?
- Vejamos as anotações, respondeu o secretário. Já atingimos: – a responsável pelo atendimento fraterno, comprometendo as tarefas nesta área; – um grupo de fluidoterapia, causando desconfiança e concorrência; – este agrupamento de socorro espiritual, que está em andamento, cujo objetivo é provocar escândalos e consequentemente a fofoca destruidora.
Outros camaradas sob as suas ordens já realizaram: – o afastamento de um entrevistador, coordenado por Márcia Boaventura, das tarefas das noites de segunda, terça e quarta-feira. Seguindo suas orientações, o envolvemos a fim de que julgasse fosse preciso melhorar a vida material. Fizemos com que se inscrevesse em seu terceiro curso universitário. O mundo ganhará mais um inútil acadêmico e perderá valoroso cooperador do bem.
- cinco expositores, dos mais variados cursos de Espiritismo espalhados pela Casa, tiveram promoção no emprego, sob nossa influência, tendo obrigatoriamente de abandonar as tarefas a fim de cumprirem os compromissos materiais.
- três dirigentes de grupos mediúnicos pediram licença, atendendo a caprichos familiares, fazendo longa viagem, também sob nossa atuação.
- os eruditos espíritas não foram esquecidos; com a vaidade sobre excitada, estamos sugerindo que reformulem todos os trabalhos na Casa, toda a área doutrinária. Isso sim é que vai gerar uma grande fofoca. Desejamos fazer com que entrem em confronto com a organizada diretoria de doutrina.
- estamos, ainda, fazendo com que modismos de toda ordem apareçam por aqui, trazidos pelas pessoas eufóricas;
- trezentos processos de obsessão simples foram implantados, junto àqueles que nos oferecem brechas, a pretexto de atrapalhar diversos trabalhos espíritas. Estes, num mecanismo em cadeia, exatamente como o senhor planejou, haverão de triplicar as irritações, abrindo nossos caminhos.
- verificamos as obras assistenciais e notamos estarem passando por várias dificuldades financeiras. Envolvemos alguns responsáveis, que entraram em nossa esfera de ação por conta do pessimismo, nervosismo exagerado, falta de fé, por terem esquecido do ideal espírita e prenderem-se simplesmente à questão de organização, agindo com frieza, distantes do amor. Com isso, podemos desestimulá-los intensamente e, agora, estão prestes a abandonar as funções.
- nas promoções beneficentes, igualmente tivemos boa infiltração, pois que os cooperadores, verificando estarem fora das reuniões mediúnicas, da seriedade dos estudos, entregaram-se às piadas, às brincadeiras, à maledicência, à competição, à inveja e ao ciúme. Isso tem afastado vários trabalhadores matriculados nestas obras.
- no pequeno coral, inspiramos-lhes músicas mais agitadas, fazendo com que se oponham à direção da Casa em querer divulgar o Espiritismo pela canção. Sugerimos-lhes outros ritmos a fim de atordoar-lhes e confundir-lhes o pensamento. O regente, praticamente um dos nossos, tendo levado “sua” ideia à direção doutrinária e esta, obviamente, solicitando a retomada do trabalho com músicas que elevem a criatura humana, conduzindo mensagens de transformação moral, tal como é o objetivo do Espiritismo, fez com que o condutor das vozes espíritas se irritasse, quase desistindo das tarefas.
- ainda temos o grupo de teatro que certamente nos atenderá às mesmas solicitações, melindrando-se certamente quando a pureza doutrinária lhes solicitar evitar, no Centro, a propagação de obras não espíritas.
- temos procurado, diante dos agrupamentos de estudos, estimular os contestadores natos, fazendo com que estejam especialmente alterados, conseguindo, com isso, atrapalhar vários participantes.
E muitas outras reuniões estão recebendo a visita de nossa falange.
Falta, ainda, atingirmos definitivamente o presidente e o diretor doutrinário da Instituição.
Seguindo suas ordens, continuou Gonçalves, colocamos cerca de dez espíritos adversários com cada um, esperando que ofereçam brechas de atuação, mas eles desfrutam de proteção espiritual admirável, por conta do esforço que empenham na conduta reta e pelo trabalho sério que executam.
Contudo, senhor, nosso labor permanece difícil! Pois não faltam aqueles que são verdadeiras rochas morais, os que têm atraído impressionante proteção espiritual pelas atitudes cristãs. Esse processo tem exigido muito dos nossos cooperadores, já tivemos de renovar nossas turmas por cinco vezes. Nossos trabalhadores sentem-se fracos ao entrarem em contato com certos ambientes amorosos, que obrigatoriamente têm de visitar, com objetivo de atormentar e desviar os encarnados da bondade. E sobre estes, nossa influência tem sido praticamente nula.
Não sei se nossa equipe conseguirá ir até o fim. Acredito estejamos andando devagar demais.
- Nada disso, meu caro, acrescentou o mandante, os pontos principais estão sendo atingidos, aguarde e verá o excelente resultado. Quanto aos responsáveis pela Instituição, haveremos de visitá-los pessoalmente em breve. Primeiro, vamos atormentá-los e preocupá-los, desestruturando as tarefas, depois, quando se tiverem irritados com o mau desempenho dos departamentos, os escândalos, as fofocas, os pegaremos em cheio.”
Tem ainda os que simplesmente somem e esses, na maioria das vezes, são aqueles que sofrem por suas próprias fraquezas, por suas sensações de solidão, pela falta de coragem e por se sentirem perdidos no tempo, na vida e nas suas próprias necessidades, são sempre levados com o vento, com o tempo e com a esperança de novas oportunidades.
Fabuloso, impressionante e assustador não é mesmo?
E vale a pena ainda entender que quando estamos trabalhando em um terreiro de Umbanda estamos lutando contra a ação do baixo astral, contra os seres das trevas, contra seres que além de pertencerem às nossas afinidades naturais, aos nossos carmas e aos nossos merecimentos, têm a intenção de destruir centros religiosos com o único propósito de não aumentar o sentido do “Bem”. São seres poderosíssimos com ações fulminantes e, na maioria das vezes, proporcionam o afastamento dos médiuns e o enfraquecimento da corrente com um simples estalar de dedos.
Importante ainda esclarecer que enquanto o médium pertence à corrente mediúnica do terreiro ele está sob a guarda do Guia Chefe do terreiro, sob proteção da força da esquerda assentada na tronqueira, sob firmeza dos Orixás e fortalecido pela própria corrente mediúnica que, quando bem firmada, torna-se uma verdadeira cúpula, resistente aos ataques do baixo astral.
No entanto, quando o médium sai do terreiro essas proteções se dissipam e ele agora tem que caminhar com suas próprias pernas. Dessa forma, aqueles espíritos inferiores que antes eram combatidos pelo médium em questão vêem-no agora sem proteção e agem de forma brutal e avassaladora na sua vida mediúnica, profissional e emocional, causando a famosa ‘virada de vida’.
Entendam que o médium perde aquela proteção, mas não a ação do baixo astral que agora não tem mais nada que o impeça. Portanto, sair de um terreiro requer responsabilidade, cuidado, conversa, sabedoria e respeito. É preciso saber sair em harmonia, pedindo a benção, a proteção, ensinamento sobre firmezas e sendo muito grato por todas as oportunidades, exercendo a humildade – qualidade imprescindível a qualquer médium umbandista.
Acredito que assim o médium sai em uma vibração melhor, permanecendo ainda com a proteção do Terreiro, da Umbanda e com todo amparo do astral superior. Portanto, não é uma ação que depende do pai de santo, como muitos pensam. Percebam e saibam que muitas vezes o pai de santo está de joelhos pedindo proteção a esse filho que agora está a caminhar sozinho enquanto o médium está ‘deduzindo demandas’.
Tenham certeza, o Astral Superior respeita o livre-arbítrio e nos dá sempre maravilhosas oportunidades de evolução. E só cabe a nós vivenciá-las com gratidão e amor no coração.
Mônica Caraccio
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