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25/09/2016

Livro: Magia Xamânica

Magia Xamânica


Caminhada de Cura 

Os povos indígenas interpretam a cura como uma conseqüência da relação harmônica do homem com a natureza. A cura, nesta ótica, não significa a supressão imediata dos sintomas ou a resolução, instantânea, dos desequilíbrios que provocaram a desconexão do homem com o Todo sagrado e universal.

Ela pode ser até o simples reconhecimento dos potenciais internos de transformação de cada um, mas, com certeza, representa sempre uma nova oportunidade. Curar-se é desapegar-se do medo. 

Aliás, o contraponto do amor não é o ódio, mas o medo que nos impede de nos entregarmos de forma plena e inteira, de deixarmos fluir o ciclo da vida e das relações. Em todas as tradições xamânicas os processos de cura se realizam por meio de desapego, perdão, liberação e amor.

"Para encontrar uma forma de cura especial, que pudesse responder a um desafio ou a um problema pessoal, nossos ancestrais caminhavam com freqüência pelas florestas ou sobre os rochedos das montanhas em busca de indicações ou sinais que pudessem auxiliá-los na cura e na sua busca de Sabedoria. Esta Caminhada de Cura constituía um meio de restabelecer os laços com os seus Guias, ou Ajudantes de Cura. Mesmo em nosso mundo agitado de hoje é possível encontrar este Caminho de Cura, se o buscador se dispuser a ler e a entender os sinais da natureza." (Jamie Sams, in Sacred Path Cards: The Discovery of Self through Native Teachings).

Um dos instrumentos de cura usados pelos povos indígenas do Norte e do Sul é a Roda de Medicina, também chamada de Elo Sagrado. Armada a Roda, estabelece-se um ritual de poder no qual são utilizadas as energias das Quatro Direções, dos animais-totens, das pedras e cristais, dos quatro elementos (Terra, Água, Fogo e Ar) e toda uma vasta simbologia que nos conecta com as forças cósmicas da Criação e da Cura. 

Na Roda de Medicina — uma antiga e poderosa representação do Universo —, podemos identificar o poder dos símbolos e da necessidade de estarmos conectados e harmonizados com todas as demais manifestações de vida existentes no Planeta: os seres alados, os quatro pernas, os rastejadores, os seres das águas, o povo-em-pé, o povo pedra, o povo nuvem...

O que nos permite manter a conexão com toda a família planetária é a nossa intuição. E é por meio dela que alcançamos o dom da cura para nossas vidas, utilizando este poder pessoal e os recursos da imaginação. Ou seja, a capacidade de acessar as outras realidades, além desta que vivemos diariamente na nossa vida de cidadãos comuns.

O poder de cura está dentro de nós. Se buscamos o silencio, o estado de meditação, se procuramos nos ouvir e conseguimos escutar a nossa alma (aqui entendida como Animal de Poder, a energia responsável pela manutenção do corpo físico, da saúde e do bem-estar), saberemos o que é preciso fazer para deflagrar o processo de cura que necessitamos neste ou naquele momento. Quando não nos sentimos fortes o suficiente para agir, podemos buscar o auxílio de um curador para que, por meio de rituais, nos devolva (como pode acontecer nos casos de debilidade extrema) ou nos auxilie a reencontrar o espírito do nosso animal, possibilitando-nos a condição de reagirmos para que, assim, possamos realizar a nossa própria Caminhada de Cura.

"As Criaturas vivas possuem suas próprias mensagens de Cura e estão dispostas a partilhá-las com todos aqueles que se dispuserem a aprender a sua linguagem. Hail-lo-way-ain — a linguagem do Amor, na língua Seneca — é a forma pela qual Todos os Nossos Parentes se comunicam conosco. É pela Hail-lo-way-ain que nossos corações podem sentir as respostas recebidas do Caminho da Sabedoria e que o processo de Cura pode começar a se manifestar." (Jamie Sams, obra citada).

Os verdadeiros curadores reconhecem e sabem que o poder do amor é a mais poderosa energia de cura que o ser humano pode acessar com facilidade, pois está dentro de cada um. O curador, em muitas tradições, é definido como aquele que estende os braços do amor e está atento ao que tem coração e significado. O coração, para muitos povos nativos, é a ponte de ligação entre o Pai Céu e a Mãe Terra, além de ser o caldeirão alquímico onde se misturam emoção e pensamento e se transmutam sentimentos.

A cura também envolve "o princípio da reciprocidade, a capacidade de igualmente dar e receber, e a capacidade de vincular-se. Para mantermos nossa saúde e bem-estar necessitamos manter o equilíbrio entre crescer e receber e reconhecer quando um dos pólos está mais desenvolvido que o outro (...) O princípio da reciprocidade monitora o equilíbrio existente entre nossa natureza de amor e de saúde", pondera a antropóloga Angeles Arrien, Ph.D., na sua obra The Four-fold Way — Waiking the Paths of the Warrioi; Teacliet; Healer and Visionary.

Todo processo de cura passa, necessariamente, pelo coração. Quer seja do curador ou do curando. Sem isso, é impossível acessar as forças curadoras e curativas que o Universo disponibiliza para nós. Sem um coração íntegro e limpo é impossível encontrar a cura ou auxiliar no processo curativo de outrem, pois curare penetrar um momento transcendente e atemporal no qual se experimenta o Poder Divino. E este poder se expressa e se manifesta na capacidade de amar e entender as nossas relações com tudo que é vivo e não-vivo na Criação.

O curador verdadeiro é aquele que consegue expressar o ser em toda sua plenitude e que aprendeu a importância do "curar a si mesmo" no caminho da responsabilidade sobre si, compreendendo seus limites e responsabilidades, reconhecendo que é parte do Todo e, portanto, co-responsável pela doença ou cura do planeta e seus habitantes.

Desta maneira o curador ajuda a quem o procura a enxergar seus bloqueios e ver a potencialidade que possui de transmutá-los. É função do xamã estimular o "doente" a mudar o seu padrão sutil, abrindo-se para a cura verdadeira que inclui compreensão, vontade e aceitação.

O princípio da cura prega a necessidade de harmonia, equilíbrio, para se alcançar o bem-estar. Tudo aquilo que ajude o ser humano a se harmonizar com as demais manifestações de vida no Planeta, permita a sua integração com o ecossistema e auxilie no processo de adaptação dos corpos físico, emocional, mental e espiritual representa uma medicina.

Os xamãs possuem quatro medicinas principais: cura, acesso a conhecimento novo ou perdido, desenvolvimento do poder, profecia ou predições. Apesar de terem conhecimentos de todas elas, costumam concentrar-se em uma a fim de conhecê-la mais a fundo.

Cada processo de transmutação e cada curador traz a sua medicina própria. E todos os nativos se referem a medicina como o conjunto de elementos desse processo e a forma como eles são utilizados por determinado xamã.

Derval Gramacho / Victória Gramacho


  

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