Estou lendo "Exu" do professor Dr. Vagner Gonçalves da Silva, da USP. O mesmo professor que coordenou o livro importantíssimo sobre “Intolerância Religiosa”. Então, como todo mundo que gosta de leitura, abro o livro em inúmeras situações, principalmente em transportes públicos. Hoje não foi diferente. Entrei no ônibus. Assim que consegui sentar abri o livro. Percebi imediatamente que a mulher que dividia o banco comigo se incomodou com algo. Ela fechou o livro que lia com rispidez - e me dei conta de que se tratava da Bíblia -, se levantou e foi para a porta. Ela começou a falar algo sozinha. As pessoas começaram a olhar. Então, acho que surtou:
“É isso mesmo! Até nos ônibus gente do demônio não nos deixam em paz!”, quase gritando e fuzilou-me com os olhos.
Não sou do Candomblé, não sou da Umbanda, não sou membro de nenhuma sagrada religião de origem africana, mas nem por isso deixo de admirar a beleza e a sabedoria que estas pregam e propagam. Eu filmo estas religiões justamente para que, um dia, possam dialogar com pessoas como essa mulher louca que me interpelou daquela forma. Então me vi na mesma situação que milhares de outras pessoas que fazem parte destas maravilhosas religiões. Sim! Naquele momento eu fui colocado no mesmo grupo e, também naquele momento, estava sendo vítima de “intolerância”.
Ah! Mas, sou azedo quando quero.
“A senhora está me chamando de pessoa do demônio?”, perguntei.
“Tá amarrado, em nome de Jesus!”, retrucou levando a Bíblia na frente do rosto.
Nisso nos tornamos o centro das atenções. Todo mundo olhava para nós apreensivos pela minha resposta. Então foi...
“Então eu a liberto em nome de Exu, pois só Exu salva.” Olhei para todos! “Eu ouvi um laroiê?” E esperei. Silêncio! “Nenhum?”
“Laroiê!”, veio tímido do fundo.
“Vamos lá, com alegria! Não tenham medo de declarar o amor a Olorum, o pai de todos nós!”
Então veio, lindo, forte de umas cinco pessoas.
“Laroiê!”
Sorri satisfeito para os rostos daqueles que também sorriam. Nos tornamos cúmplices e orgulhos da religiosidade vinda do coração. (Ah! Se estas pessoas soubessem a verdade quanto a mim!)
Mal a porta abriu e a mulher desceu com os olhos arregalados e sumiu. Acho que não era o ponto dela. Saiu de perto de mim para fugir da “gente do demônio” e fugiu do ônibus por vergonha de sua incrível estupidez.
Bem mais tarde, quando chegou o meu ponto na Av. Paulista, encarei os 33º de calor ainda sorrindo com a vitória de um dia que mal tinha começado.
Graças a Exu.
Celso Masotti
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