É fato comum chegarem aos terreiros pessoas extremamente deprimidas, adoentadas ou desesperadas pelo fato de não encontrarem em nenhum outro lugar o remédio para seus males. Já passaram por consultórios médicos, igrejas, milagreiros de todas as espécies.
Em todos os lugares, foram deixando sua história registrada, acrescida de decepção e gastos financeiros além da conta. Com a promessa e a busca de “milagres”, pagaram dízimos ou oferendas, tentando terceirizar a solução de seus problemas ou de sua suposta “má sorte”. E enquanto seu saldo bancário e sua fé diminuem, sua decepção e dor aumentam.
O local que não cobra pela caridade geralmente leva a fama de ser “muito fraco”, pois infelizmente as pessoas ainda têm a falsa concepção de que “se não cobrar e bem cobrado, a coisa não funciona”.
Além disso, há os que necessitam vivenciar o “fenômeno” para que sua fé tenha fundamento. “Imagina... guia que fica só aconselhando, mandando rezar e mudar a maneira de pensar...”. Como bem fala o ditado popular: “só quando a água bate onde não deve é que se aprende a nadar”.
Assim, só como último recurso, no desespero total, é que eles batem à porta da Umbanda. Mesmo descrentes, buscam o milagre, chorosos e vitimados pela vida. Ajoelham-se na frente do preto velho ou do caboclo e derramam lágrimas, dedilham rosários de reclamações, tentando convencê-los de que a culpa da desgraça é de todo mundo, menos deles próprios. Acolhidos com todo amor pelos guias de luz, não recebem promessa de milagre, apenas a exigência de uma gradual reforma íntima, aliada a mandingas que os limpam do lixo energético que conseguiram agregar ao longo do tempo. Saem dali bem melhores do que entraram, quase sempre voltam e aos poucos compreendem que o milagre estava dentro deles próprios.
Não faltarão nessa lista os que, após a melhora, voltam a frequentar os bancos da igreja aos domingos, exibindo saúde e roupas novas. Quando não, transformam-se em carregadores de bíblia, passando a combater ferrenhamente aqueles por quem foram ajudados. Jamais vão admitir que um dia entraram num terreiro de Umbanda – coisa do capeta.
O que será que os Pretos Velhos e Caboclos pensam disso?
Um dia desses fiz essa pergunta à Vovó Benta: – Zi fia, nosso trabalho é a caridade e quem se dispõe a ela, esteja encarnado ou no mundo dos mortos, tem de saber que o “dar gratuitamente” sempre é motivo para darmos “graças” pela oportunidade de servir ao Criador, à sua obra. Ajudar esses filhos desnorteados é construir pontes entre o céu e a terra. Nunca podemos ou devemos esperar qualquer recompensa pelo bom serviço, a exemplo do Criador que distribui raios de luz ou gotas de água todos os dias a todos, bons e maus. O que cada filho fará com as dádivas recebidas só a ele cabe definir, escolhendo assim seu futuro. Sigamos fazendo o bem sem olhar a quem e façamos isso com a alegria de quem sobe os degraus para o céu, sem ter de pagar por isso com lágrimas ou moedas falsas. Lembre-se, filha, de que servir com alegria é servir duas vezes. – Servir duas vezes? – Sim, duas vezes. A você mesmo e ao próximo.
Quando colocamos alegria e desprendimento, dissipamos qualquer possibilidade de nos machucarmos com nossa ação. Porém, o fazer por fazer ou para que as pessoas vejam que somos caridosos é um meio de ajudarmos aos outros sem, no entanto, estarmos com isso nos ajudando. O azedume que muitos “caridosos” carregam demonstra o quanto ainda sua caminhada é longa. Sem contar que pode ser um meio de captar para si as energias dos outros em vez de dissipá-las. Quanto aos filhos que viram as costas a quem os ajudou, não passam de espíritos infantis que precisam do pirulito para adoçar suas vidas, ignorando que um dia o doce chega no palito.
Leny W. Saviscki
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